Um dos poucos prazeres da vida...

Minha esposa costuma dizer que comer é um dos poucos prazeres da vida, mas ela detesta cozinhar. De minha parte, comer para mim é um ato orgânico e não necessariamente um prazer, mas aprendi a gostar de cozinhar, mesmo não sendo um chef de cozinha. Talvez por ver minha mãe com todas aquelas receitas em vários cadernos e livros.

Mais do que comer ou fazer comidas, gosto de filmes sobre quem faz comida e de alguns reality shows sobre elas, menos o Master Chef, apesar de que ele tem relação com o que escrevo aqui. Em relação aos filmes, acabo de assistir a mais um filme deste gênero tão peculiar ao qual me lembro ter sido apresentado com o filme A festa de Babette, filme dinamarquês de 1987 dirigido por Gabriel Axel e que, apesar de toda a lentidão característica deste país nórdico, me fez apreciar filmes deste tipo. Filmes cujo único motivo parecer mostrar pessoas cozinhando e pessoas comendo o que pode na maioria das vezes ser entendiante para muitos.

O filme que assisti hoje se chama Menu degustação, um filme espanhol de 2013 dirigido por Roger Gual, cuja história é sobre um restaurante preste a fechar que resolve fazer um grande banquete para seus convidados como uma grande despedida, mas que espera também conseguir com isto mais um fôlego em seu negócio através de alguns investidores convidados. Como é de imaginar, a todo momento são mostrados os pratos sendo produzidos com todo o requinte da alta culinárias, pessoas saboreando-os e, claro, demonstrações das pessoas de como eles são maravilhosos. E talvez quem olhe para filmes como estes não veja muito diversão nisto, ver pessoas simplesmente comendo pratos saborosos sem poder fazer o mesmo.

Para mim, porém, filmes como estes são sempre sobre algo mais do que sobre cozinhar, sobre comer, sobre saborear um bom prato ou um bom vinho e o que se pode dizer sobre comidas, o que muitas vezes é impressionante, como o que um japonês diz sobre um prato e um sommelier diz sobre um vinho. Filmes como estes são sobre a arte de cozinhar, que não é a arte de fazer prato deliciosos simplesmente, mas fazer algo prazeros para os outros, algo que só você consegue fazer. Não são filmes sobre comidas ou como se faz comidas deliciosas, toda a arte da cozinha com flambes e molhos e toques refinados na preparação dos pratos. Filmes como estes são sobre pessoas e o que de melhor elas podem fazer pelos outros, algo que em Menu degustação fica visível, assim como em A festa de Babette, mas que naquele não diz respeito somente a chef do restaurante, que se chama Mar, um nome que convida ao prazer.

Se gosto de filmes como este, eis que descobri ou mesmo comecei a pensar nisto com este filme, pois, nele, as situações banais da vida cotidiana, com diálogos comuns entre pessoas e seus problemas se misturam ao problema do restaurante em ter que fechar. Contudo, diferente do que se poderia pensar num momento difícil da vida, como ficar em casa, remoendo ao passado, o que elas resolvem fazer é aproveitar estes últimos momentos que lhe restam para aproveitar a comida deste restaurante e do prazer que ele pode proporcionar. Comidas que são como as palavras de um escritor, o que sempre quis ser, pois expressam o sentimento que cada um tem em si, que são produzidas para serem dadas e apreciadas por todos, mesmo que malquistas. Comidas que, diferente do que pensamos muitas vezes, são o que se dá de melhor ao outro, para que ele se alimente, se fortifique, com o sabor amargo, agridoce, suave ou travosa na garganta como alguns vinhos. Comidas que são feitas com todo o suor e a lágrima de um trabalho que é, pois, uma arte, a arte de cozinhar, que não é, repito, a arte de fazer pratos, mas de dar aos outros o que você tem de melhor em sabores como o escritor dá em palavras, o pintor em pinturas, os atores e cineastas em filmes.

Eis, então, o que gosto em filmes como este, que eles não são sobre comidas, mas como as comidas são como palavras com as quais nos expressamos, que algumas gostam e outras, não, mas que sempre são produzidas para agradar aos outros de algum modo. São filmes que são sobre as nossas relações uns com os outros nas quais a comida é um dos meios de percebermos quem somos e o que fazemos pelos outros. Algo que, neste filme, é sutil, mas presente a todo instante e mesmo seu ápice de beleza, a beleza de olhar para o lado e saber que tem alguém ao seu lado, comendo com você e com que você conversa, muitas vezes mais do que come, pois, como diz a personagem Matilde no filme, uma senhora idosa que acaba de perder o marido, há liberdade em viver ao lado de uma pessoa e a comida nos mostra isto.


Nenhum comentário:

Tecnologia do Blogger.