O golpismo no Brasil e a história dos derrotados
Por que o PSDB defende tanto o impeachment da presidente Dilma se é o PMDB o principal beneficiado com ele? 50 anos depois do golpe de 64, vivemos novamente a possibilidade de um golpe, não mais de modo trágico, mas de modo disfarçado. E é preciso analisarmos muito bem a história para perceber que o esquerdismo que ainda resta nos partidos de esquerda e tudo aquilo que ele representa historicamente, isto é, a defesa de ideais sociais contrários a uma elite política, econômica e conservadora, está em vias de sofrer mais um golpe por aqueles que foram derrotados na história recente do Brasil.
Quando a Alemanha viu-se derrotada após a Primeira Guerra Mundial, pouco a pouco viu-se surgir nela um sentimento ambíguo entre os alemães mais conservadores. Primeiro, de orgulho nacionalista, como se tivessem ganho a guerra, pouco se preocupando com a realidade dela ou que ela impunha ao país isto é, a derrota. Porém, com um tempo, na medida em que perceberam sua derrota com a crise econômica e política que assolou a nação alemã, o sentimento modificou-se e surgiu um "entusiasmo pubertário que desemboca num culto e numa apoteose da guerra", como diz Walter Benjamin que fez esquecer a experiência e a pobreza a que a guerra lhes impingiu. Isto porque, segundo Benjamin, levou-se "mais a sério a perda da guerra do que a própria guerra". Um sentimento que é comum aos derrotados e que se mantém neles mesmo que não haja mais "verdadeiros inimigos", pois isto não importa, já que os derrotados em sua paranóia fazem de todos e quaisquer um seus inimigos. Não tardou e os alemães criaram os seus: os judeus, os homossexuais, os negros, os ciganos e, por fim, concluíram eles sua paranóia, todos aqueles que não descendiam da raça ariana, mas, principalmente, aqueles que tinham imposto à Alemanha sua derrota. Pois o sentimento de derrota nacionalista que o Partido Nacional Socialista ou simplesmente Nazista criou no país era movido não simplesmente pelo ideal de uma raça pura, mas pelo direito de vingança, como é comum a todo derrotado ou a todo escravo, segundo Nietzsche, mas também Benjamin, segundo o qual, "Cada guerra que se anuncia é ao mesmo tempo uma insurreição de escravo." E não por menos, diante do sentimento de derrota e desejo de vingança entre os alemães se anunciou com Hitler uma nova guerra da Alemanha contra aqueles que a derrotaram.
A experiência alemã após a segunda derrota, nós conhecemos bem hoje, ao se tornar a maior potência europeia atualmente, seja na área política, econômica ou mesmo no futebol. O que não se pode dizer o mesmo de nossa experiência com a ditadura na década de 60, quando por meio de um golpe militar estabeleceu-se no Brasil um ditadura fascista como a de Hitler na Alemanha e que impôs a nós, que não vivemos esta época, uma experiência de pobreza semelhante a daqueles que viveram a primeira, e, senão, a Segunda Guerra Mundial, vencedores e vencidos. Uma experiência que é preciso ter em mente hoje tendo em vista que novamente os micro-poderes que tornaram possível um golpe no país novamente convergem para isto, obviamente, não mais de modo trágico, mas disfarçadamente.
Em primeiro lugar, lembremos que, segundo a época, e ainda hoje na mente de muitos dos vencedores com o golpe de 64, não houve golpe, mas, sim, uma revolução, o que ao defender isto, ao contrário do que se pretende, torna ainda mais patente a ideia de golpe, pois justamente se buscava por meio da ideia de revolução criar como a Alemanha, um ideal nacionalista entre os brasileiros fazendo-os acreditar que estavam em guerra contra algum inimigo. Diferentemente da ideia de golpe, portanto, na qual não é um nacionalismo que se faz insurgir, mas justamente um sentimento contrário a ele, o de traição à pátria, em vez de uma defesa dela como se quer fazer passar.
Se os alemães fizeram dos judeus seus inimigos, mas principalmente todos que não faziam parte de sua raça, no Brasil não foi um sentimento de raça que fez unir todos em seu desejo paranóico militar, e sim, o comunismo, que, pouco a pouco, impunha uma derrota aqueles que tinham um orgulho nacionalista pelo país, notadamente partidos conservadores. Em primeiro lugar, com a renúncia de Jânio Quadros possibilitando a João Goulart, seu vice, assumir o poder, o que foi visto pelos militares como uma possibilidade do comunismo se expandir no país, não apenas como partido, mas como governo, isto é, dominar, portanto, o país. Uma possibilidade que foi acatada pelos partidos conservadores à época que se não puderam impedir inicialmente o mandato de João Goulart, diminuíram seu poder fazendo surgir um parlamentarismo no país, no qual o Congresso mandasse mais do que o presidente, o que fez com que o presidente não pudesse mais aprovar suas propostas políticas. Porém, não apenas os políticos conservadores da época se sentiam derrotados pouco a pouco, pois no campo também as ligas camponesas impunham derrotas aos grandes latifundiários de terra fazendo crescer ainda mais o temor de uma vitória completa dos comunistas. Um sentimento que foi agravado com a decisão em plebiscito em 1963 de se voltar ao presidencialismo dando novamente poderes a João Goulart que propôs, então, Reformas de Base, para diminuir as desigualdades no país, como a reforma agrária, que logo fez temer não apenas os latifundiários e os militares, mas também a classe média conservadora e religiosa que via também no comunismo uma ameaça à família, isto é, à ideia de família que os conservadores e religiosos tinham, já que ao comunismo também se associava na cabeça paranóica de muitos à época, como hoje, a ideia de um liberalismo sexual.
Derrotados em vários aspectos políticos e sociais, não tardou que a derrota se tornasse como nos alemães de 30, um sentimento de perda maior do que a própria perda, e os militares, assim como Hitler, criassem um ideal de defesa da nação ao fazer dos comunistas os inimigos pátrios, endossado pelos políticos da época ansiosos por assumirem o poder, já que tinham o poder militar ao seu lado. Contudo, assim como aconteceu na Alemanha, logo se percebeu que numa ditadura não existem amigos, somente inimigos, e os militares, mais paranóicos do que os políticos, ansiosos por guerra como todo derrotado, logo fizeram do país um campo de batalha deles contra todos aqueles que estavam contra eles, dividindo o país ao meio: o daqueles que estavam a favor da mudança e da revolução no país promovida por eles e aqueles que estavam contra isto e que logo recebiam a alcunha de comunista.
A experiência do golpe de 64 há 50 anos, se produziu tempos depois um sentimento de perdão com a anistia dos militares e a retomada da democracia no Brasil na década de 80, criou também atualmente um novo sentimento de derrota semelhante ao anterior ao golpe, pois novamente os micro-poderes que fizeram aquele se erigir, a saber, o poder dos latifundiários, o poder armado dos militares e o conservadorismo religioso da população e entre os políticos novamente convergem para instaurar um regime fascista disfarçado. E, não por menos, é um mesmo sentimento nacionalista de defesa da nação contra um inimigo que vemos insurgir na mente dos derrotados políticos nas últimas eleições, liderados pelo PSDB.
Ao se dizer isto, não se tenta aqui defender as ingerências produzidos pelo PT nos últimos anos com toda uma política ideológica partidária que se, por um lado, possibilitou com um resquício de esquerdismo muitas mudanças no país em vários âmbitos sociais, por outro lado, produziu todo um ambiente de suspeita contra estas mudanças. Trata-se tão somente de perceber como entre Hitler, os militares e o impeachment defendido hoje por muitos demonstra como um golpismo se instala no país a partir da história dos derrotados.
Ora, analisando o que acontece ao país recentemente podemos perceber que os derrotados ao longo destes 12 anos de governo petista, fazem fortalecer no país cada vez mais um sentimento nacionalista que têm no PT o seu inimigo declarado, como Hitler, tinha nos judeus, e os ditadores (todos que defendiam a ditadura, militar ou não) tinham nos comunistas. Obviamente, a saída do PT do Governo Federal devido a todos os escândalos de corrupção por meio de um impeachment não vai resolver o problema da corrupção, como a redução da maioridade não vai resolver o problema da criminalidade dos jovens, como tornar a família formada por homem, mulher e filhos a única família não vai impedir que se formem outros tantos tipos de família. Mas tudo isto junto nos leva justamente ao problema do golpismo, pois vemos surgir hoje da mesma forma que nos mostra a experiência da ditadura a mesma convergência de micro-poderes que possibilitou o golpe de 64. E, isto sim, é um grande problema, pois um golpe se faz hoje a cada momento disfarçado de impeachment, isto é, de um direito democrático, como o golpe de 64 se disfarçou de um direito de revolução e as semelhanças, malgrado todas as mudanças históricas e sociais, somente se explicam se percebermos que se trata de um mesmo sentimento de derrota e de vingança que há hoje em dia assim como em 64, ou em 30, na Alemanha.
Em relação a estas semelhanças, podemos dizer que o inimigo comum hoje e ontem não mudou, continua sendo o esquerdismo, antes manifesto no Partido Comunista do Brasil, hoje, no PT, e todas as reformas sociais que eles manifestam que desagradam latifundiários e uma classe média conservadora, mesmo quando se diga liberal, pois o liberalismo não está no politicamente correto, mas nas ações politicamente incorretas. Em contrapartida, novamente vemos no Congresso brasileiro cada vez mais uma diminuição dos poderes da presidente tornando o país um parlamentarismo disfarçado, não porque se vê no Parlamentarismo uma melhor forma de governo, mas um forma de diminuir o sentimento de derrota daqueles que se sentem derrotados na aliança política com o PT tanto quanto os derrotados nas urnas.
Na insatisfação dos partidos aliados e opositores é um mesmo sentimento de derrota que se manifesta, tal como se vê também nas pessoas que vão para as ruas, que não são a população como se quer fazer acreditar midiaticamente, tal como fizeram em 64. Um sentimento de derrota que busca no nacionalismo exacerbado meios de combater o PT comunista e, agora, corrupto, seu principal inimigo, mas não único, pois há muito mais em jogo do que simplesmente uma tomada de poder.
Afora estas semelhanças, de inimigo, de diminuição de poder, de manifestação popular, no nacionalismo exacerbado movido por um sentimento de derrota da nação, há micro-poderes que se aliam não indiretamente como antes, mas diretamente hoje para justamente fazer frente ao esquerdismo que parece dominar o país, por esquerdismo entendendo-se aqui tudo aquilo que uma esquerda defende de um ponto de vista social, bem mais liberal do que muitos liberais gostariam. Micro-poderes que apesar da terminologia moderna escondem todo o conservadorismo de antes ao se unirem sob a sigla BBB, que quer dizer, bancada da Boi, da Bala e da Bíblia, não necessariamente nesta ordem, pois a ordem dos fatores aqui não altera o produto.
Semelhante, pois, ao que aconteceu em 64, quando latifundiários, militares e religiosos se aliaram contra um inimigo comum, o comunismo, novamente vemos hoje se aliar no Congresso Nacional novamente esta mesma tríade, pois à bancada da Bala, do Boi e da Bíblia correspondem os mesmos tipos sociais de antes, respectivamente: os militares, oficiais ou ex-oficiais militares, ou defensores de um militarismo, que acredita que é por meio da força e da violência que se vai resolver os problemas do país, por exemplo, a criminalidade dos jovens; os agropecuaristas, que querem impedir o avanço do movimento dos sem terra no campo e reforma agrária da mesma forma que impediram as ligas camponesas; e os religiosos, que veem no atual liberalismo defendido pelo PT e os partidos de esquerda uma ameaça à família segundo o ideal religiosos e tentam impedir que, por exemplo, seja declarada família a união de homossexuais e a adoção de crianças por parte deles.
Diante destas semelhanças históricas, um sentimento que se vê nas ruas não é indignação pura e simplesmente com o PT, mas de derrota por tudo que o país se tornou pressupostamente a partir do momento que este partido começou a governar o país. Um sentimento de derrota que clama por vingança não simplesmente contra ele, mas contra todo o esquerdismo que, malgrado sua mudança nos últimos anos, ele ainda representa na história: o comunismo, a liberdade sexual, a reforma agrária, o ateísmo, a destituição da renda daqueles que a tem bem mais do que outros, da elite, bem mais do que a classe média e desta bem mais do que têm os pobres e miseráveis. Um sentimento de derrota que novamente volta a dividir o país entre aqueles que o amam e que não o amam, que o defendem como pátria com a força e a violência e os que não aceitam isto, entre aqueles que querem, enfim, o impeachment da presidente e aqueles que aceitam a derrota nas urnas como parte do processo democrático e não querem como fizeram os militares em 64. Pois, assim como os militares disseram e ainda dizem que não é um golpe o que fizeram em 64, mas uma revolução, se diz também hoje que não é um golpe o que se pretende, mas um impeachment.
A palavra mudou, mas a história dos derrotados com o sentimento inerente a ela nos permite ver que as palavras não valem nada para os derrotados, como não vale nada a história e todas as experiências nefastas dela pelas quais passaram em sua derrota. O que lhes interessa é apenas eles mesmos, pois diferente do que aconteceu com o presidente Collor, não é a deposição de um presidente por participação num crime o que se quer pura e simplesmente, mas a deposição de todo um governo petista e a ideologia social esquerdista que ele representa. Pois os micro-poderes que querem tirar a presidente da república são os mesmos que querem limitar a reforma agrária, que querem fazer da força militar o meio de se manter a ordem e que querem fazer da família concebida religiosamente a única família reconhecida socialmente.
E é sobretudo contra este golpe em vias de se estabelecer no pais, em vez de uma defesa do PT que devemos nos insurgir, pois, para aqueles que defendem a nação com sua ideologia nacionalista conservadora, elitista, militar e religiosa como vemos hoje, não há amigos, somente inimigos, todos aqueles que se opõem a eles em sua paranóia ideológica.
Em relação, por fim, à pergunta acima, de por que o PSDB defende tanto o impeachment se é o PMDB o beneficiado, podemos dizer que é ao mesmo tempo simples e complicado, mas se explica por pelo sentimento de derrotado que move Aécio Neves (PSDB) e que moveu Carlos Lacerda, ao apoiar o golpe dos militares em 64 e perceber logo em seguida que a história dos derrotados não leva a nenhuma vitória, somente derrotas, como Hitler e os alemães também perceberam. Resta saber se Aécio Neves vai perceber isto antes de impor em vez de uma vitória democrática à nação esperada por seus aliados, uma derrocada final em meio a tudo que está em curso.
Quando a Alemanha viu-se derrotada após a Primeira Guerra Mundial, pouco a pouco viu-se surgir nela um sentimento ambíguo entre os alemães mais conservadores. Primeiro, de orgulho nacionalista, como se tivessem ganho a guerra, pouco se preocupando com a realidade dela ou que ela impunha ao país isto é, a derrota. Porém, com um tempo, na medida em que perceberam sua derrota com a crise econômica e política que assolou a nação alemã, o sentimento modificou-se e surgiu um "entusiasmo pubertário que desemboca num culto e numa apoteose da guerra", como diz Walter Benjamin que fez esquecer a experiência e a pobreza a que a guerra lhes impingiu. Isto porque, segundo Benjamin, levou-se "mais a sério a perda da guerra do que a própria guerra". Um sentimento que é comum aos derrotados e que se mantém neles mesmo que não haja mais "verdadeiros inimigos", pois isto não importa, já que os derrotados em sua paranóia fazem de todos e quaisquer um seus inimigos. Não tardou e os alemães criaram os seus: os judeus, os homossexuais, os negros, os ciganos e, por fim, concluíram eles sua paranóia, todos aqueles que não descendiam da raça ariana, mas, principalmente, aqueles que tinham imposto à Alemanha sua derrota. Pois o sentimento de derrota nacionalista que o Partido Nacional Socialista ou simplesmente Nazista criou no país era movido não simplesmente pelo ideal de uma raça pura, mas pelo direito de vingança, como é comum a todo derrotado ou a todo escravo, segundo Nietzsche, mas também Benjamin, segundo o qual, "Cada guerra que se anuncia é ao mesmo tempo uma insurreição de escravo." E não por menos, diante do sentimento de derrota e desejo de vingança entre os alemães se anunciou com Hitler uma nova guerra da Alemanha contra aqueles que a derrotaram.
A experiência alemã após a segunda derrota, nós conhecemos bem hoje, ao se tornar a maior potência europeia atualmente, seja na área política, econômica ou mesmo no futebol. O que não se pode dizer o mesmo de nossa experiência com a ditadura na década de 60, quando por meio de um golpe militar estabeleceu-se no Brasil um ditadura fascista como a de Hitler na Alemanha e que impôs a nós, que não vivemos esta época, uma experiência de pobreza semelhante a daqueles que viveram a primeira, e, senão, a Segunda Guerra Mundial, vencedores e vencidos. Uma experiência que é preciso ter em mente hoje tendo em vista que novamente os micro-poderes que tornaram possível um golpe no país novamente convergem para isto, obviamente, não mais de modo trágico, mas disfarçadamente.
Em primeiro lugar, lembremos que, segundo a época, e ainda hoje na mente de muitos dos vencedores com o golpe de 64, não houve golpe, mas, sim, uma revolução, o que ao defender isto, ao contrário do que se pretende, torna ainda mais patente a ideia de golpe, pois justamente se buscava por meio da ideia de revolução criar como a Alemanha, um ideal nacionalista entre os brasileiros fazendo-os acreditar que estavam em guerra contra algum inimigo. Diferentemente da ideia de golpe, portanto, na qual não é um nacionalismo que se faz insurgir, mas justamente um sentimento contrário a ele, o de traição à pátria, em vez de uma defesa dela como se quer fazer passar.
Se os alemães fizeram dos judeus seus inimigos, mas principalmente todos que não faziam parte de sua raça, no Brasil não foi um sentimento de raça que fez unir todos em seu desejo paranóico militar, e sim, o comunismo, que, pouco a pouco, impunha uma derrota aqueles que tinham um orgulho nacionalista pelo país, notadamente partidos conservadores. Em primeiro lugar, com a renúncia de Jânio Quadros possibilitando a João Goulart, seu vice, assumir o poder, o que foi visto pelos militares como uma possibilidade do comunismo se expandir no país, não apenas como partido, mas como governo, isto é, dominar, portanto, o país. Uma possibilidade que foi acatada pelos partidos conservadores à época que se não puderam impedir inicialmente o mandato de João Goulart, diminuíram seu poder fazendo surgir um parlamentarismo no país, no qual o Congresso mandasse mais do que o presidente, o que fez com que o presidente não pudesse mais aprovar suas propostas políticas. Porém, não apenas os políticos conservadores da época se sentiam derrotados pouco a pouco, pois no campo também as ligas camponesas impunham derrotas aos grandes latifundiários de terra fazendo crescer ainda mais o temor de uma vitória completa dos comunistas. Um sentimento que foi agravado com a decisão em plebiscito em 1963 de se voltar ao presidencialismo dando novamente poderes a João Goulart que propôs, então, Reformas de Base, para diminuir as desigualdades no país, como a reforma agrária, que logo fez temer não apenas os latifundiários e os militares, mas também a classe média conservadora e religiosa que via também no comunismo uma ameaça à família, isto é, à ideia de família que os conservadores e religiosos tinham, já que ao comunismo também se associava na cabeça paranóica de muitos à época, como hoje, a ideia de um liberalismo sexual.
Derrotados em vários aspectos políticos e sociais, não tardou que a derrota se tornasse como nos alemães de 30, um sentimento de perda maior do que a própria perda, e os militares, assim como Hitler, criassem um ideal de defesa da nação ao fazer dos comunistas os inimigos pátrios, endossado pelos políticos da época ansiosos por assumirem o poder, já que tinham o poder militar ao seu lado. Contudo, assim como aconteceu na Alemanha, logo se percebeu que numa ditadura não existem amigos, somente inimigos, e os militares, mais paranóicos do que os políticos, ansiosos por guerra como todo derrotado, logo fizeram do país um campo de batalha deles contra todos aqueles que estavam contra eles, dividindo o país ao meio: o daqueles que estavam a favor da mudança e da revolução no país promovida por eles e aqueles que estavam contra isto e que logo recebiam a alcunha de comunista.
A experiência do golpe de 64 há 50 anos, se produziu tempos depois um sentimento de perdão com a anistia dos militares e a retomada da democracia no Brasil na década de 80, criou também atualmente um novo sentimento de derrota semelhante ao anterior ao golpe, pois novamente os micro-poderes que fizeram aquele se erigir, a saber, o poder dos latifundiários, o poder armado dos militares e o conservadorismo religioso da população e entre os políticos novamente convergem para instaurar um regime fascista disfarçado. E, não por menos, é um mesmo sentimento nacionalista de defesa da nação contra um inimigo que vemos insurgir na mente dos derrotados políticos nas últimas eleições, liderados pelo PSDB.
Ao se dizer isto, não se tenta aqui defender as ingerências produzidos pelo PT nos últimos anos com toda uma política ideológica partidária que se, por um lado, possibilitou com um resquício de esquerdismo muitas mudanças no país em vários âmbitos sociais, por outro lado, produziu todo um ambiente de suspeita contra estas mudanças. Trata-se tão somente de perceber como entre Hitler, os militares e o impeachment defendido hoje por muitos demonstra como um golpismo se instala no país a partir da história dos derrotados.
Ora, analisando o que acontece ao país recentemente podemos perceber que os derrotados ao longo destes 12 anos de governo petista, fazem fortalecer no país cada vez mais um sentimento nacionalista que têm no PT o seu inimigo declarado, como Hitler, tinha nos judeus, e os ditadores (todos que defendiam a ditadura, militar ou não) tinham nos comunistas. Obviamente, a saída do PT do Governo Federal devido a todos os escândalos de corrupção por meio de um impeachment não vai resolver o problema da corrupção, como a redução da maioridade não vai resolver o problema da criminalidade dos jovens, como tornar a família formada por homem, mulher e filhos a única família não vai impedir que se formem outros tantos tipos de família. Mas tudo isto junto nos leva justamente ao problema do golpismo, pois vemos surgir hoje da mesma forma que nos mostra a experiência da ditadura a mesma convergência de micro-poderes que possibilitou o golpe de 64. E, isto sim, é um grande problema, pois um golpe se faz hoje a cada momento disfarçado de impeachment, isto é, de um direito democrático, como o golpe de 64 se disfarçou de um direito de revolução e as semelhanças, malgrado todas as mudanças históricas e sociais, somente se explicam se percebermos que se trata de um mesmo sentimento de derrota e de vingança que há hoje em dia assim como em 64, ou em 30, na Alemanha.
Em relação a estas semelhanças, podemos dizer que o inimigo comum hoje e ontem não mudou, continua sendo o esquerdismo, antes manifesto no Partido Comunista do Brasil, hoje, no PT, e todas as reformas sociais que eles manifestam que desagradam latifundiários e uma classe média conservadora, mesmo quando se diga liberal, pois o liberalismo não está no politicamente correto, mas nas ações politicamente incorretas. Em contrapartida, novamente vemos no Congresso brasileiro cada vez mais uma diminuição dos poderes da presidente tornando o país um parlamentarismo disfarçado, não porque se vê no Parlamentarismo uma melhor forma de governo, mas um forma de diminuir o sentimento de derrota daqueles que se sentem derrotados na aliança política com o PT tanto quanto os derrotados nas urnas.
Na insatisfação dos partidos aliados e opositores é um mesmo sentimento de derrota que se manifesta, tal como se vê também nas pessoas que vão para as ruas, que não são a população como se quer fazer acreditar midiaticamente, tal como fizeram em 64. Um sentimento de derrota que busca no nacionalismo exacerbado meios de combater o PT comunista e, agora, corrupto, seu principal inimigo, mas não único, pois há muito mais em jogo do que simplesmente uma tomada de poder.
Afora estas semelhanças, de inimigo, de diminuição de poder, de manifestação popular, no nacionalismo exacerbado movido por um sentimento de derrota da nação, há micro-poderes que se aliam não indiretamente como antes, mas diretamente hoje para justamente fazer frente ao esquerdismo que parece dominar o país, por esquerdismo entendendo-se aqui tudo aquilo que uma esquerda defende de um ponto de vista social, bem mais liberal do que muitos liberais gostariam. Micro-poderes que apesar da terminologia moderna escondem todo o conservadorismo de antes ao se unirem sob a sigla BBB, que quer dizer, bancada da Boi, da Bala e da Bíblia, não necessariamente nesta ordem, pois a ordem dos fatores aqui não altera o produto.
Semelhante, pois, ao que aconteceu em 64, quando latifundiários, militares e religiosos se aliaram contra um inimigo comum, o comunismo, novamente vemos hoje se aliar no Congresso Nacional novamente esta mesma tríade, pois à bancada da Bala, do Boi e da Bíblia correspondem os mesmos tipos sociais de antes, respectivamente: os militares, oficiais ou ex-oficiais militares, ou defensores de um militarismo, que acredita que é por meio da força e da violência que se vai resolver os problemas do país, por exemplo, a criminalidade dos jovens; os agropecuaristas, que querem impedir o avanço do movimento dos sem terra no campo e reforma agrária da mesma forma que impediram as ligas camponesas; e os religiosos, que veem no atual liberalismo defendido pelo PT e os partidos de esquerda uma ameaça à família segundo o ideal religiosos e tentam impedir que, por exemplo, seja declarada família a união de homossexuais e a adoção de crianças por parte deles.
Diante destas semelhanças históricas, um sentimento que se vê nas ruas não é indignação pura e simplesmente com o PT, mas de derrota por tudo que o país se tornou pressupostamente a partir do momento que este partido começou a governar o país. Um sentimento de derrota que clama por vingança não simplesmente contra ele, mas contra todo o esquerdismo que, malgrado sua mudança nos últimos anos, ele ainda representa na história: o comunismo, a liberdade sexual, a reforma agrária, o ateísmo, a destituição da renda daqueles que a tem bem mais do que outros, da elite, bem mais do que a classe média e desta bem mais do que têm os pobres e miseráveis. Um sentimento de derrota que novamente volta a dividir o país entre aqueles que o amam e que não o amam, que o defendem como pátria com a força e a violência e os que não aceitam isto, entre aqueles que querem, enfim, o impeachment da presidente e aqueles que aceitam a derrota nas urnas como parte do processo democrático e não querem como fizeram os militares em 64. Pois, assim como os militares disseram e ainda dizem que não é um golpe o que fizeram em 64, mas uma revolução, se diz também hoje que não é um golpe o que se pretende, mas um impeachment.
A palavra mudou, mas a história dos derrotados com o sentimento inerente a ela nos permite ver que as palavras não valem nada para os derrotados, como não vale nada a história e todas as experiências nefastas dela pelas quais passaram em sua derrota. O que lhes interessa é apenas eles mesmos, pois diferente do que aconteceu com o presidente Collor, não é a deposição de um presidente por participação num crime o que se quer pura e simplesmente, mas a deposição de todo um governo petista e a ideologia social esquerdista que ele representa. Pois os micro-poderes que querem tirar a presidente da república são os mesmos que querem limitar a reforma agrária, que querem fazer da força militar o meio de se manter a ordem e que querem fazer da família concebida religiosamente a única família reconhecida socialmente.
E é sobretudo contra este golpe em vias de se estabelecer no pais, em vez de uma defesa do PT que devemos nos insurgir, pois, para aqueles que defendem a nação com sua ideologia nacionalista conservadora, elitista, militar e religiosa como vemos hoje, não há amigos, somente inimigos, todos aqueles que se opõem a eles em sua paranóia ideológica.
Em relação, por fim, à pergunta acima, de por que o PSDB defende tanto o impeachment se é o PMDB o beneficiado, podemos dizer que é ao mesmo tempo simples e complicado, mas se explica por pelo sentimento de derrotado que move Aécio Neves (PSDB) e que moveu Carlos Lacerda, ao apoiar o golpe dos militares em 64 e perceber logo em seguida que a história dos derrotados não leva a nenhuma vitória, somente derrotas, como Hitler e os alemães também perceberam. Resta saber se Aécio Neves vai perceber isto antes de impor em vez de uma vitória democrática à nação esperada por seus aliados, uma derrocada final em meio a tudo que está em curso.
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