Terceirização do trabalho: o trabalhador como servidor de dois amos

Tema constante recentemente no Brasil, a terceirização do trabalho pode se tornar lei em breve, a PL 4330, caso não seja derrubada no Congresso Nacional, estabelecendo um nova forma de relação do trabalhador com o patrão na qual pode haver entre ambos uma terceira pessoa, que será não por menos também um patrão.

De um modo simplificado, a terceirização do trabalho é a possibilidade de uma empresa contratar os empregados de uma empresa que presta algum serviço e que já existe hoje em dia para alguns serviços na empresa, como a limpeza ou segurança. Em trâmite no legislativo, o que se quer, por sua vez, é estender esta possibilidade para outras áreas dentro de uma empresa ou mesmo tornar terceirizado todo o trabalho dentro de uma empresa, em outras palavras, não sendo mais preciso contratar nenhum trabalhador diretamente, apenas indiretamente por meio de outra empresa que o contratou. Numa tentativa malograda, tentou se fazer valer esta lei para todo tipo de empresa, pública ou privada, contudo, as empresas públicas foram excluídas desta lei, tendo em vista que não haveria mais a necessidade de se contratar ninguém por meio de concurso público, somente por meio de empresas como terceirizados.

Mas qual o problema disto? Talvez nos perguntemos. Por que em vez de contratar um trabalhador diretamente uma empresa não pode contratar uma outra empresa que dispõe de trabalhadores que executem o serviço de que precisa?

A questão não é tão simples como se imagina e para isto é preciso lembrar dos preceitos econômicos básicos que Marx já aludiu alhures: o capitalista quer sempre obter um lucro maior às custas da força de trabalho do trabalhador. Lembremos, portanto, que cada trabalhador precisa trabalhar para viver e que cada trabalho que executa custa um determinado valor, aquele que é pago pelo patrão na forma do seu salário. Pois bem, esta é a relação direta do patrão com o trabalhador como seu empregado em qualquer empresa, terceirizada ou não. A questão é que com a possibilidade de terceirização do trabalho tal como pressupõe a lei, independente dos direitos que garante ou não, o salário do trabalhador não é mais definido pela sua relação com o patrão diretamente, mas pela relação da empresa terceirizada da qual ele faz parte e a empresa que o contrata, e que o valor do trabalho dele é um para a empresa terceirizada que ele trabalha e outro para a empresa que contrata os serviços dele por meio desta empresa terceirizada.

De um modo bem simples, o trabalhador passa, então, com a terceirização a ser servo de dois amos, o dono da empresa terceirizada em que trabalha e o dono da empresa para a qual contratou os serviços da empresa em que trabalha. Mais ainda, o seu trabalho, isto é, sua força de trabalho, agora, não é mais vendida diretamente ao patrão de uma empresa, mas é vendida pelo patrão da empresa terceirizada em que trabalha para outras empresas. Consequentemente, o valor do seu trabalho ou o seu salário não é mais o pago pela empresa que o contrata diretamente, mas o da empresa que vende sua força de trabalho.

Lembremos, porém, que a sociedade capitalista como analisou muito bem Marx vive da concorrência entre as diversas empresas e que, deste modo, a força de trabalho do trabalhador, braçal ou intelectual, vendida pela empresa terceirizada terá a concorrência de outras empresas terceirizadas, pressupostamente. Assim, se a força de trabalho de um trabalhador de uma empresa terceirizada custa R$ 10 reais ao ser vendido para uma empresa contratante, em outra empresa terceirizada, a mesma força de trabalho pode ser vendida apenas por R$ 9 reais. Deste modo, o que se tem, de modo simplificado, independente do que se ganha ou perde em direitos trabalhistas, parece óbvio, é que o trabalhador além de se tornar servo de dois amos, tem o seu trabalho desvalorizado segundo as leis de mercado que regem a concorrência capitalista, pois qual empresa terceirizada a empresa contratante contratará: a cujo serviço é R$ 10 reais ou a cujo serviço é R$ 9 reais.

Há quem, obviamente, pense que depende muito do serviço prestado, ou seja, da qualidade inerente à força de trabalho, pois há, sem dúvida, trabalhadores e trabalhadores e os patrões sabem muito bem reconhecer isto. Mas o problema é que se por um lado a qualidade do serviço é importante para a empresa, por outro, o lucro é o mais importante e não importa que meios elas utilizem para obtê-lo, e é neste aspecto que entra a terceirização. As empresas não querem, obviamente, contratar trabalhadores que não prestem um serviço de qualidade, mas estimular que serviços de qualidade prestados pelos trabalhadores possam ser comprados por menos. Assim, se uma empresa terceirizada por servir o mesmo de trabalho de qualidade de outra empresa, mas com um menor preço, é óbvio que as empresas contratarão a empresa terceirizada que satisfazer melhor a relação custo e benefício, pois assim lucram mais.

Outro problema que se deixa transparecer fácil nesta relação dos trabalhadores como servos de dois amos, de duas empresas, a terceirizada e a contratante, é que ao requerer melhores salários, ele terá que recorrer à terceirizada. Contudo, o que vale sua força de trabalho não é mais medida em valor pela relação dele com a empresa, mesmo terceirizada, mas pela relação da empresa terceirizada em que ele trabalha com as demais empresas terceirizadas que prestam serviços como a dele através dele. Neste sentido, se o trabalhador da empresa que presta o serviço a R$ 9 reais quiser ter um aumento, por exemplo, para R$ 11 reais, muito provavelmente, ele pode ser coibido com a alegação de que, obviamente, a empresa não pode pagar este valor porque perderá em concorrência para outras empresas e, assim, terá que, por exemplo, demiti-lo para continuar funcionando. E de nada valerá, em contrapartida, ele ser sindicalizado ou não, pois, não é uma relação patronal que está em questão, mas uma simples relação de concorrência de mercado: a oferta e a procura.

Enfim, nesta relação de concorrência definida pela oferta e a procura no mercado, o que se quer é justamente colocar cada vez mais à venda a força de trabalho do trabalhador para que se possa pagar mais barato por ele, como se quer pagar mais barato por qualquer produto na feira, o protótipo de todo e qualquer mercado, pois se sabe muito bem que quanto maior a oferta de um determinado produto, no caso, a força de trabalho do trabalhador, mais barato se torna ele. Contudo, em vez de bananas na feira, o que se comprará é a força de trabalho do trabalhador que trabalhará agora e sempre para servir a dois amos e ter que agradar a ambos.



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