As não profundas raízes do Brasil
Ler Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, é um assombro, desde as primeiras páginas. Há muito tempo tinha me proposto a tarefa de lê-lo, bem como outros clássicos da Sociologia, em minha reflexão filosófica, pois cursei de início a faculdade de Ciências Sociais e a questão das origens é, em particular, cara a mim, motivo pelo qual escrevo sobre Sociologia neste blog de Filosofia. Mas também porque como professor também de Sociologia no ensino médio, ao ler o capítulo inicial deste livro renomado, comecei a me perguntar porque este e outros livros clássicos de sociologia brasileira não são leituras obrigatórias nas escolas, nem mesmo figuram entre os capítulos de livros sancionados pelo Ministério da Educação (MEC), que, em contrapartida tornou obrigatório o estudo sobre a africanidade. A resposta a esta pergunta talvez esteja, senão, nas Raízes do Brasil, como é possível perceber logo em seu início.
Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas idéias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. Podemos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de aspectos novos e imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização que representamos: o certo é que todo o fruto de nosso trabalho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem. (HOLANDA, 1995, p. 31)
Europeu ou africano, não importa quem seja o estrangeiro, a sensação de desterro de que fala Sérgio Buarque de Holanda é algo presente em nossa cultura, principalmente, a institucionalizada que valoriza mais quem vem de fora do que aqueles que se formam aqui. Por isso o meu assombro ao ler Raízes do Brasil, pois é difícil ver em um texto brasileiro algo que pense quem somos e não simplesmente nos mostre para inglês ver o quanto sabemos sobre eles. Assombro maior ainda ao lembrar como professor de Sociologia que, apesar da importância, a leitura de Durkheim, Weber e Marx como clássicos da Sociologia é mais importante do que Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Roberto DaMatta, cuja leitura deveria ser exaustiva, ainda que difícil como no caso de Freyre, e indispensável para nós, brasileiros, pensarmos a nós mesmos em nossas não profundas "raízes".
Contudo, não faz parte de nossa cultura pensar quem somos, donde a Filosofia é sempre vista como algo chato, e a Sociologia, idem, e tudo aquilo que nos faz ver um pouco de nós é algo perigoso, imoral, como se afrontasse a nossa intimidade. Preferimos nos esquecer a nos lembrar constantemente de quem somos, algo que a Filosofia e a Sociologia como Ciências Humanas não permite na medida em que isto é impossível mesmo. Não podemos esquecer quem somos, a sociedade da qual fazemos parte. Mas, não obstante isto, tentamos obstinadamente nos esquecer e nos surpreendemos por vezes quando vemos algo que nos diga respeito, como se fosse algo realmente novo, como a desordem social atual do Brasil em meio à corrupção e à violência e a tentativa de combatê-la à ferro e fogo, quando ela pertence a uma raiz profunda, como é possível se ler nestas palavras de Sérgio Buarque de Holanda (1995, p. 33) que bem poderia se referir aos politiqueiros atuais:
A falta de coesão em nossa vida social não representa, assim, um fenômeno moderno. E é por isso que erram profundamente aqueles que imaginam na volta à tradição, a certa tradição, a única defesa possível contra nossa desordem. Os mandamentos e as ordenações que elaboraram esses eruditos são, em verdade, criações engenhosas do espírito, destacadas do mundo e contrárias a ele. Nossa anarquia, nossa incapacidade de organização sólida não representam, a seu ver, mais do que uma ausência da única ordem que lhes parece necessária e eficaz. Se a considerarmos bem, a hierarquia que exaltam é que precisa de tal anarquia para se justificar e ganhar prestígio.
E se pergunta e responde logo em seguida, bem como nos faz perguntar e responder:
E será legítimo, em todo caso, esse recurso ao passado em busca de um estímulo para melhor organização da sociedade? Não significaria, ao contrário, apenas um índice de nossa incapacidade de criar espontaneamente? As épocas realmente vivas nunca foram tradicionalistas por deliberação.
À nossa incapacidade de criar espontaneamente corresponde muitos dentre muito problemas ressaltados de início por Holanda em relação às nações ibéricas, mas que se estende ao Brasil. Enumerá-los seria desnecessário, mas lê-los é preciso. E pensá-los, mais ainda. Algo que adiei até hoje, mas as coisas levam tempo... e o tempo leva as coisas, quando estas coisas não têm um raiz profunda. Motivo pelo qual devemos pensar e repensar nossas raízes para que elas se tornem sólidas em nossas mentes, porém, não como empecilhos ao nosso desenvolvimento, como muitos buscam transformá-las tradicionalmente, mas como algo de que precisamos para que o desenvolvimento seja sempre melhor, de modo arborescente ou rizomático, pois ambos dependem de raízes. Não ter raízes, neste sentido, não é a solução para a cultura brasileira como se advoga a partir de uma miscigenação do indígena, europeu e africano, mas justamente o problema a todo o nosso modernismo, pois mascara, senão, quem somos realmente.
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