A chegada do esperado inesperado

Enfim ele chegou e eu acolhi. Não sem demora, sem retardo, sem atraso, sem que eu me preparasse para ele, para sua chegada, do que já era esperado há muito tempo, inesperado, porém, no momento em que chegou.

Demorou um tempo para que eu me acostumasse com ele, muito tempo até que eu me aventurasse em conhecê-lo melhor. Era mais um livro como outros de Jacques Derrida que lera desde 2002, quando me aventurei pela primeira vez na filosofia Da Gramatologia que ele criara em 1967 e se estendera em diversas obras, inclusive esta, em que Anne dufourmantelle convida Jacques Derrida a falar da hospitalidade, ou simplesmente, Da hospitalidade, de 2003, um após, portanto, minha primeira e decidida aventura filosófica ao seu encontro e acolhimento.

A sublimidade deste livro contrasta com sua pequenez e o acontecimento singular que ele representa composto por duas sessões, a Quarta e a Quinta, de um seminário que ele deu sobre o tema. Por que somente estas, seria uma questão indispensável em relação a este livro já que por diversas vezes ele retoma questões referentes a outras sessões que estão diretamente relacionadas às questões das selecionadas para este livro, a saber, a do estrangeiro e a da hospitalidade em relação a ele. Contrasta ainda mais porque nele é possível ver não apenas a sua gramatologia em curso e a desconstrução nela inerente, mas toda a vida dele como estrangeiro na França, já que provém da Argélia, mas também como judeu na própria Argélia pós-independência. Contrasta ainda mais porque em sua a língua não se desconstrói mais em circunlóquios, senão por alguns momentos, falando cada vez mais a língua dos que o escutam e o acolhem.

Derrida, mais uma vez, renova seu pensamento sem perder o fio de Ariadne que liga todas as suas obras e a hospitalidade de que ele fala é a que ele senão requer desde que resolveu fazer da sua fala e de sua escrita sua filosofia. E a hospitalidade incondicional de que trata e que requer a todos em condições de estrangeiro não deve aí perder de vista a dispensada ao filósofo, desde tempos idos, que ele analisa em relação a Sócrates, sem deixar de perceber que antes deste, o sofista já encarnara esta condição. Pois o filósofo é sempre um estrangeiro em sua própria pátria em sua própria língua como já se disse alhures.

Ser estrangeiro, mais do que uma questão jurídica e política é, neste sentido, uma questão que remete a uma condição humana em que o reconhecimento como ser humano é colocado em questão mais do que o reconhecimento de sua cidadania ou seu sangue. É o que Sócrates requer aos seus juízes, às Leis de Atenas, mas é o que mais ainda requer Édipo, o estrangeiro, por excelência, desterrado por três vezes, de Tebas, de Corintos e de Tebas novamente, condenado a errar pela Terra e ser enterrado em segredo, não para que o esquecesse, e sim, lembrassem das desventuras de sua vida e, para sempre, enquanto estrangeiro, ele fosse acolhido entre todos, apesar do mal que fizera ainda que sem o saber.

Assim como Sócrates, Édipo nada sabia, e ambos representam o que o não-saber representa para os gregos, isto é, um grande problema. É preciso saber quem se é, diz o oráculo de Delfos, assim como é preciso saber quem é que chega e o que chega com quem chega. É preciso que o inesperado seja esperado com atenção para que o não-saber que ele traz e produz não destrua tudo que se sabe. É preciso cuidar dele para que a espera por ele não se desfaça num vão momento de hospitalidade fortuita, aquela dispensada por convenção, por lei ou por dever, em que o humano se torna inumano. Um animal que sente a presença de outro e nada espera dele ou que espera sempre que o destrua dominado pelo medo do outro.

Assim como Sócrates e Édipo, eu nada sabia como nunca sei o que esperar do inesperado Derrida e talvez isto tenha me movido durante todos estes anos em direção a ele, a este livro, que acolhi com a reserva hospitaleira daquele que teme ainda o que há por vir, mesmo sem saber o que virá, pois o futuro, disse ele em sua Gramatologia, é sempre aterrorizador. Mas não ao ponto que uma escuta e leitura paciente não nos tire o seu terror assim que à soleira da porta ele bate os pés no chão para retirar a terra da sola dos pés ou dos sapatos.

Nenhum comentário:

Tecnologia do Blogger.