Que os jogos terminem!

Jogos Vorazes - A esperança - Parte 1 não está concorrendo ao Oscar. Nenhum dos anteriores também, que eu me lembre. Nem o último, a parte 2 de Esperança concorrerá, apesar de Jennifer Lawrence ter ganho um Oscar de melhor atriz, mas pelo filme O lado bom da vida, no mesmo ano do primeiro Jogos Vorazes. Os motivos pelos quais este e os outros não concorreram ao Oscar são dignos de nota e importantes para pensarmos o que esperamos não apenas do cinema, mas dos jovens.

Entre os filmes que concorrem ao Oscar, nenhum deles mostra uma mulher lutando por uma revolução, e isto é digno de nota. Baseado nos livros de Suzanne Collins, Jogos Vorazes foi o primeiro filme a fazer isto, o que, mais recentemente, foi repetido no filme Divergente, baseado no livro de Neil Burger, que assim como os Jogos Vorazes, terá sequências. Ver mulheres nesta situação não é muito feminino se poderia dizer, mas o problema não é simplesmente este, o do estereótipo feminino. Associar a mulher a uma revolução é um problema mais complicado, pois é estimular uma revolta contra um poder opressor que é senão o do homem e não se quer que isto se propague. O próprio Jogos Vorazes demonstra de modo surpreendente isto e a história demonstra em larga escala como isto é feito reiteradamente independente do cinema, quando a mulher é sempre vista como aquela que pode a qualquer momento destruir o poder masculino, em geral, por motivos tórpidos, para demonstrar como ela é perigosa, tendente a algo ruim quase sempre.

Afora esta questão feminina, há outro motivo que faz de Jogos Vorazes não ser candidato ao Oscar: o filme demonstra uma ficção pouco atraente para muitos: colocar adolescentes em situação de risco e molestá-los ao bel-prazer, mesmo que isto seja uma realidade tão presente na vida deles de vários modos. Trata-se de uma distopia que não faz bem aos olhos, pois parece muito distante da realidade, apesar de se referir a ela. Melhor visualizá-los em seus problemas cotidianos sem esperança ou perspectiva, sem ficção, pois assim eles aparecem de modo real, como são em todas as suas vicissitudes, talvez se diga. Ou seja, o filme passa algo falso, pouco real, sem dramas palpáveis. De fato, isto é um problema para quem quer ver os adolescentes como eles são e tem dificuldade em imaginar como eles devem ser, como é o caso dos Jogos Vorazes. Preferimos ver os adolescentes sofrendo cotidianamente do que dar-lhes esperança de algum modo, como é o caso de Boyhood, um excelente filme, sem dúvida, mas que demonstra o quão distante nos pomos da juventude, mesmo que pretendamos estar perto dela.

Isto nos leva ao terceiro e principal motivo, sem dúvida, para Jogos Vorazes não concorrer ao Oscar: ele é um filme adolescente, assim como a literatura na qual se baseia, e isto faz dele um subproduto da arte por excelência. Não tem conteúdo que prenda a atenção daqueles que votam no Oscar, seu roteiro é pueril demais para olhos senis. Enfim, é um filme para jovens e não para cinéfilos acostumados a assistirem Birdman sem ver nada interessante e acharem um excelente filme.

Diante destes motivos, afora os técnicos que qualquer um possa apontar, como efeitos especiais, som, cenografia, figurino, trilha sonora, etc., o que se coloca em questão com Jogos Vorazes é que o cinema visto por muitos como sétima arte não deve divertir massas, a não ser para ganhar dinheiro, e os candidatos ao Oscar dificilmente serão campeões de bilheteria, a não ser que sensibilizem olhos senis, como Titanic ou O Senhor dos Anéis. Muito menos serão indicados filmes que entretenham a juventude, ao qual se deve dar os super-heróis de Hollywood em vez de fazer deles mesmo os heróis para futuras juventudes, futuras revoluções.

Este é o problema principal da não indicação de Jogos Vorazes ao Oscar: ele incita a juventude a tomar o poder, pior ainda, uma juventude feminina. Ele tem por traz de si de forma pueril, mas prejudicial ao extremo, uma teoria política que motiva os jovens a lutarem por aquilo que acreditam e que não é um celular novo ou uma droga nova, como o vemos constantemente sem querer querendo. A juventude deve ser vista no cinema como um filho problemático ou alguém dócil para o trabalho, mas nunca como um revolucionário, com um ideal político, ainda que frágil em princípio. Ela deve ser as causas ou as consequências dos problemas sociais, nunca a partícipe, nunca aquela de quem se espera também uma posição, uma postura, uma decisão que se reflita em todos, como uma esperança de salvação como em Jogos Vorazes.

Aquilo que esperamos do cinema, que ele nos inspire, que nos mostre a vida de um modo que não conhecemos e que mesmo que conheçamos não a vemos deste modo, mudando, portanto, a nossa visão de mundo e é o que esperamos que os jovens também busque no cinema. Contudo, o cinema quase sempre não é feito para eles e muito menos há reconhecimento de filmes que são feitos para ele no cinema, pois a visão que temos da juventude é de uma completa alienação da realidade que, ademais, somos nós que alheamos, tirando dele toda uma visão política sobre ela e as consequências que a política implica.

A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerante, diziam os Engenheiros do Hawai, em sua música Terra de Gigantes. Uma música que demonstra o quanto a juventude se tornou aquilo que esperamos que ela seja, despolitizada e perdida na vida, que não se arrisque em nada, que não tome posições a não ser para torná-la mais uma ilha. Muito diferente dos Jogos Vorazes, portanto, em que vemos jovens serem altruístas como Katniss Everden se colocando no lugar da irmã para lutar num jogo mortal em seu lugar ou como Peeta Mellark querendo morrer para que ela volte dos jogos e reveja sua irmã, ou ambos preferindo morrer a matar um ao outro num jogo perverso de adultos. Muito diferente ainda de vermos jovens sabendo como sobreviver sozinhos ou se tornarem solidários para sobreviver como nos Jogos Vorazes - Em chamas e desafiarem o poder estabelecido que justamente os oprime colocando-os em jogos mortais como estes, pois, afinal, por que colocar jovens em vez de pessoas adultas se não para demonstrar aquilo que a sociedade pensa senão deles: que são aquilo que há de mais tórpido na sociedade, fazendo tudo para serem os melhores do que outros, inclusive matar inocentes? Jovens que não têm nada a perder e, portanto, se pode tirar tudo deles, sua juventude, seus amores, seus pais, sua vida?

Jogos Vorazes - A esperança - Parte 1 pode até não ser candidato ao Oscar, mas não é ele quem perde com isto, somos nós, ao não vermos a juventude como protagonista de sua própria história, ocultando-a dos nossos olhos edipianizados que preferem as ver esquizofrênicas do que sadias, construindo suas vidas independentes de nós e, sobretudo, de um modo melhor não apenas para elas, mas também para nós. Uma juventude que não é mais a pobre coitada como a de Birdman ou de Boyhood, principais concorrentes ao Oscar, mas que sabe jogar o jogo de vida e morte num campo de batalha em que a esperança não é algo que os jovens devem buscar nos outros, mas em si mesmos, eles mesmos a esperança de toda uma nação.

Que os jogos terminem, então, e Katniss e Peeta possa nos redimir de nossa senilidade, mas que a juventude permaneça sempre cultivada como a esperança de todos, pois, sem ela, o que nos resta é sermos, em vez de tordos, homens-pássaros (birdmen) sem perspectiva alguma, querendo voar sem asa alguma.


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