O processo da educação

A educação é um processo. A maioria dos educadores concorda com isto, senão a totalidade, até que chega o fim do ano letivo e o momento da recuperação, quando o processo da educação muda de perspectiva. Deixa de ser uma continuidade para ser um sentenciamento.

Há, por sua vez, dois sentidos da educação no que diz respeito às perspectivas do seu processo: o de que ela é uma aquisição de conhecimento contínuo, durante um intervalo de tempo, que pode ser seccionado em qualquer momento da vida de uma pessoa, e o de que ela é um conhecimento adquirido, portanto, finalizado em determinado momento e passível de comprovação ou não dele e de utilização dele de algum modo. No primeiro sentido, ela é entendida como um fluxo e, no segundo, um corte deste fluxo, como se referiam Deleuze e Guattari à relação entre o inconsciente e o consciente mas que pode ser aplicado também à educação como à vida na medida em que a vida ensina, como se diz popularmente.

Estes dois sentidos da educação são problemáticos e muitas vezes seus cruzamentos produzem ressentimentos entre aqueles que defendem um e outro e o motivo parece ser simples: a oposição presumida entre eles. No que diz respeito à educação como um processo contínuo, um fluxo propriamente dito, a educação é algo que não acaba, não tem finalidade e, portanto, não pode ser medida, comprovada, limitada a um determinado momento da vida do ser humano, tão pouco a um determinado espaço, como a escola e/ou a universidade. Pelo contrário, cada vez mais hoje se coloca em questão estes espaços e os tempos limitados dele como proporcionadores de uma educação de qualidade ou mesmo de uma educação com todos os seus dispositivos de poder.

Em contrapartida a isto aqueles que defendem a educação como uma sentença a pensam justamente com uma finalidade num tempo e espaço definido, o de uma vida ou de parte dela na escola e na universidade ou em qualquer lugar que permita isto, e, hoje em dia, principalmente virtualmente. A educação deve servir para alguma coisa e não é um fim em si mesmo, isto é, uma continuidade desdobrando-se ao infinito. É algo que pode ser útil tendo em vista todo o conhecimento que ela pressupõe e que deve ser aplicado. Isto é, o fluxo de conhecimento deve ser seccionado, desviado e canalizado em um determinado momento para a obtenção de um bem específico.

No âmbito escolar, estes dois sentidos de educação se cruzam justamente no final do ano, no momento em que os estudantes são avaliados e há o sentenciamento deles como aprovados e reprovados e, no ínterim entre uma e outra sentença, quando a aprovação não acontece imediatamente, sendo os estudantes considerados em recuperação. Contudo, cada vez mais hoje em dia, o final do ano está sendo antecipado em muitas escolas com a chamada recuperação paralela, na medida em que a cada bimestre o estudante é considerado como aprovado ou reprovado e se não for aprovado imediatamente é feita já uma recuperação ao final deste período. Isto é, cada vez mais tem-se tornado o fim mais próximo com o intuito de modificar a sentença no final dele ou que a única sentença ao seu final seja a aprovação.

Não é difícil imaginar os problemas gerados no processo da educação quando o sentenciamento dos estudantes é negativo e a reprovação iminente, e não apenas para eles, mas para professores e gestores de todos os níveis educacionais numa escola, município, estado ou país, bem como de todo o processo em sua continuidade. Isto é, quando a secção do fluxo do conhecimento não é apenas um desvio produzido por uma determinada finalidade, mas uma obstrução completa dele e o processo da educação deixa de ser uma continuidade para ser uma repetição dela ao infinito e além. É o momento em que o processo da educação reflui sobre si mesmo, as sentenças sobre a continuidade, e uma questão se coloca premente: até que ponto a finalidade que impomos ao processo não o faz repetir infinitamente perdendo ele toda a continuidade, isto é, impedindo-o que se desdobre ao infinito e fazendo justamente o contrário, ou seja, redobrando-o ao infinito? Em outras palavras, até que ponto transformar o processo da educação numa fita métrica cada vez mais seccionada e sectária no decorrer de um ano letivo determinando-lhe diversos fins (bimestrais, anuais, avaliativos) possibilita a continuidade do processo da educação ou simplesmente o impede de continuar?

Enfim, até que ponto o processo de educação visto como uma sentença contribui para que a educação seja vista realmente como contínua como se quer hoje em dia e não como uma repetição infindável de si mesma? Em que pese a decisão de cada um neste processo (estudantes, professores e gestores de todos os níveis educacionais), o processo da educação é algo que não pode ser visto como se vê atualmente, como uma repetição num determinado tempo e espaço, bimestre a bimestre, ano a ano, ou mesmo de uma vida, no caso daqueles que estudam constantemente tornando o aprendizado uma patologia mais do que a busca da sabedoria. A educação, se é algo que se repete, é de modo único, singularmente, num determinado tempo e espaço inesperado como um acontecimento, dificilmente medida em seu processo, ainda que o conhecimento adquirido através dela possa ser canalizado para algum fim a partir de uma determinada medida. E talvez aqui talvez seja preciso pensar o corte do fluxo do processo da educação não simplesmente como uma secção espaço-temporal dela, isto é, como um cruzamento de seus sentidos, mas como o acontecimento dela mesma em seu processo, isto é, o momento em que sua continuidade e sentenciamento não se opõem, mas produzem o sentido dela para uma pessoa quando conhece algo e diz:

- Eureka!


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