A sociedade da expectativa
Vivemos numa sociedade da expectativa que nos faz constantemente ficar ansiosos, nervosos, depressivos, melancólicos, receosos, medrosos por assim dizer quanto àquilo que esperamos num constante devir futuro de nós mesmos, um vir a ser nosso no futuro.
Se chegamos a este ponto é em parte porque a nossa educação nos fez assim, seja a que recebemos de nossos pais, seja a que recebemos na escola, ou ainda, na sociedade através das diversas mÃdias, tecnologias da informação e comunicação, que também nos educam sobre tudo na vida cotidiana e cada vez mais nos impõem este vir a ser futuro. Obviamente, não podemos esquecer que isto também tem relação com a economia cuja principal caracterÃstica desde o pós-guerra é a de um investimento em nós mesmos como um capital humano, isto é, como algo que pode render no futuro um bom dinheiro principalmente a partir da educação que nos damos, o principal atributo de um capital humano. O mercado, por sua vez, é o principal contribuinte para esta sociedade da expectativa em que vivemos, pois ele mesmo a antecipou no último século ao se transformar em mercado futuro, ao gerar expectativas sobre um produto que nem existia ainda, que era apenas uma semente no botão de tulipa que ainda estava para florescer.
A transformação do mercado em mercado futuro foi o marco zero da existência da nossa sociedade atual que vive mais o amanhã do que o hoje, à espera do que vir a ser sem saber no que virar, se a flor vai florescer e se tornar uma bela tulipa e desta vai vir a semente que florescerá amanhã. E tudo hoje gira em torno deste mercado futuro e da sociedade do futuro que ele pretende produzir com suas mÃdias e, principalmente, com a escola do futuro, a qual produzirá como se costuma dizer, o cidadão de amanhã. Mas não podemos deixar de perceber que a sociedade da expectativa em que vivemos não surgiu simplesmente do nada, pois se o marco zero marca a metamorfose que o mercado sofreu e tudo o mais a partir dele, é preciso pensar no seu casulo, no que o gerou, no mercado que engendrou, na lagarta que ele foi um dia antes de vir a ser a borboleta que conhecemos com toda sua teoria do caos.
Pensando deste modo, se a escola produzirá o cidadão de amanhã, seja ele quem for, é a partir do momento em que nos dizemos cidadãos, ou quando começamos a pensar em nós deste modo no inÃcio da modernidade e a querer que todos, principalmente os que virão, sejam deste modo. E se, por um breve momento, a modernidade olhou para trás em busca de resgatar a cultura greco-romana que havia sido perdida, este momento foi apenas um momento melancólico logo suplantado pela possibilidade de ir além dos gregos e dos romanos através de uma modernidade que era apenas o casulo de uma sociedade por vir, a que nós vivemos. Uma sociedade na qual nos consumimos a nós mesmos como a vela de Descartes pensando que somos ainda uma vela em sua presença ao visualizarmos o substrato dela, isto é, sua essência, no caso, a cera que faz da vela ser quem ela é, independente da forma, que faz a chama ficar acesa, mesmo que cogitemos ela.
Talvez nos perguntemos por que todo este mal previsto se não sabemos o que é o futuro, mas a questão é que sabemos o que é o futuro, tal como Jacques Derrida nos alertava em 1967, na EpÃgrafe de sua Gramatologia, quando dizia que: “O futuro só se pode antecipar na forma do perigo absoluto. Ele é o que rompe absolutamente com a normalidade constituÃda e por isso somente se pode anunciar, apresentar-se, na espécie da monstruosidade.” (DERRIDA, 2004, p. 6) Neste sentido, não se trata de pensar que mal nos espera no futuro, a morte, por exemplo, como mal irremediável, ou o mal vislumbrado em todos os filmes de ficção e distopia, apesar disto já demonstrar o que Derrida prenunciara, mas pensar que o futuro é propriamente a nossa morte, que ele é o que nos mata a cada dia que esperamos por ele, que a vida deve ser pensada, não simplesmente vivida, no seu presente, que o nosso pensamento do futuro, a expectativa pelo futuro, pelo virar ser, nos angustia ao ponto do futuro deixar de existir como um tempo para ser uma vã filosofia, uma filosofia do futuro, seja a de Nietzsche ou a do capital humano.
Para além e aquém do mal que vislumbramos como futuro em nosso pensamento do futuro, portanto, estão as consequências do futuro em nossa vida presente, haja vista que quanto mais investimos em nossa vida pensando no futuro dela mais deixamos de vivê-la em toda sua intensidade, ou mais a vivemos numa intensidade além de sua capacidade, e sofremos inevitavelmente de ambas as formas. Nosso corpo, mais do que qualquer outro sente quando ultrapassamos o limite, mesmo que seja em nossa alma, haja vista o paralelismo entre ele e ela que nos alertara Espinosa em sua Ética. E se é possÃvel para além deste paralelismo falar de uma anterioridade em relação a ambos, o que o corpo sente se faz anterior na medida em que percebemos primeiramente nele as consequências de um pensamento do futuro, haja vista que o próprio pensamento não pode se antecipar em seu mal a não ser através do corpo alertando-o de que algo não está bem ou pode não vir a ficar bem, mesmo sem saber o que é, enfim, sobre o mal-estar de uma civilização ainda por vir.
Deste modo se sabemos que estamos vivendo em uma sociedade da expectativa é, sobretudo, porque nossos corpos nos alertam sobre isto constantemente. Todas as consequências mencionadas no inÃcio nos levam a pensar assim, mas elas são apenas consequências cujas causas podemos apenas vislumbrar na medida em que pensamos na sociedade em que vivemos, ou não vivemos, pensando no futuro, no caso, esta sociedade da expectativa que nos conduz ao nosso futuro anterior como uma epÃgrafe da sociedade em que vivemos no presente e da qual estamos a cada vez mais nos separando, mesmo que permaneçamos ligados a ela de algum modo em nosso a-partamento.
Se chegamos a este ponto é em parte porque a nossa educação nos fez assim, seja a que recebemos de nossos pais, seja a que recebemos na escola, ou ainda, na sociedade através das diversas mÃdias, tecnologias da informação e comunicação, que também nos educam sobre tudo na vida cotidiana e cada vez mais nos impõem este vir a ser futuro. Obviamente, não podemos esquecer que isto também tem relação com a economia cuja principal caracterÃstica desde o pós-guerra é a de um investimento em nós mesmos como um capital humano, isto é, como algo que pode render no futuro um bom dinheiro principalmente a partir da educação que nos damos, o principal atributo de um capital humano. O mercado, por sua vez, é o principal contribuinte para esta sociedade da expectativa em que vivemos, pois ele mesmo a antecipou no último século ao se transformar em mercado futuro, ao gerar expectativas sobre um produto que nem existia ainda, que era apenas uma semente no botão de tulipa que ainda estava para florescer.
A transformação do mercado em mercado futuro foi o marco zero da existência da nossa sociedade atual que vive mais o amanhã do que o hoje, à espera do que vir a ser sem saber no que virar, se a flor vai florescer e se tornar uma bela tulipa e desta vai vir a semente que florescerá amanhã. E tudo hoje gira em torno deste mercado futuro e da sociedade do futuro que ele pretende produzir com suas mÃdias e, principalmente, com a escola do futuro, a qual produzirá como se costuma dizer, o cidadão de amanhã. Mas não podemos deixar de perceber que a sociedade da expectativa em que vivemos não surgiu simplesmente do nada, pois se o marco zero marca a metamorfose que o mercado sofreu e tudo o mais a partir dele, é preciso pensar no seu casulo, no que o gerou, no mercado que engendrou, na lagarta que ele foi um dia antes de vir a ser a borboleta que conhecemos com toda sua teoria do caos.
Pensando deste modo, se a escola produzirá o cidadão de amanhã, seja ele quem for, é a partir do momento em que nos dizemos cidadãos, ou quando começamos a pensar em nós deste modo no inÃcio da modernidade e a querer que todos, principalmente os que virão, sejam deste modo. E se, por um breve momento, a modernidade olhou para trás em busca de resgatar a cultura greco-romana que havia sido perdida, este momento foi apenas um momento melancólico logo suplantado pela possibilidade de ir além dos gregos e dos romanos através de uma modernidade que era apenas o casulo de uma sociedade por vir, a que nós vivemos. Uma sociedade na qual nos consumimos a nós mesmos como a vela de Descartes pensando que somos ainda uma vela em sua presença ao visualizarmos o substrato dela, isto é, sua essência, no caso, a cera que faz da vela ser quem ela é, independente da forma, que faz a chama ficar acesa, mesmo que cogitemos ela.
A vela de Descartes simboliza, por sua vez, todo o iluminismo da razão subsequente que Kant retomaria com sua Resposta à pergunta: O que é o esclarecimento?, e que marca o momento em que passamos para nosso estado crisálida como cidadãos. Pois o que é o esclarecimento senão a expectativa de um futuro, a maioridade de que nos fala Kant? É o que Kant nos diz já em seu primeiro parágrafo começando por gerar toda uma expectativa em nós do que vem a ser esta maioridade, para então problematizá-la em seguida ao ponto de, hoje, podermos dizer que pensar nesta maioridade é o que nos faz viver cada vez mais numa sociedade da expectativa. Uma maioridade que não era um problema ainda no inÃcio da modernidade, já que ela era então apenas uma expectativa fugidia, a possibilidade da lagarta virar borboleta num estágio da evolução, isto é, um tênue momento dentro da presença infinita do presente que gerava apenas o anseio de uma sociedade, mas não uma preocupação com o que ela adviria ser. Porém, foi pensando na maioridade de uma razão que era não menos a maioridade do cidadão visto de modo racional que Kant lançou o homem-lagarta moderno no casulo definitivamente para nele se transformar a borboleta que logo após bateria suas asas com elas produzindo o caos com elas.
Antes dele, porém, de fato, o cidadão já tinha sido pensado pelos contratualistas, e foram estes que sem dúvida forjaram o homem a partir de um estado de natureza no qual a sociedade foi primeiramente pensada como algo futuro, por vir. Este foi o momento em que nós como lagartas já nos alimentávamos pensando no nosso fim sem saber qual era ele, pois a saÃda do estado de natureza nos convencia de que a sociedade precisava ser criada de alguma forma, que ela deveria ser pensada em seu por vir, para que, bem ou mal, não tornássemos ao estado de natureza, selvagem ou não. Enfim, que era preciso estabelecer um contrato social com os direitos do homem e do cidadão para que a sociedade pudesse ser ou existir como tal.
Foi então que, ao pensarem como manteriam este contrato, a educação adquiriu a forma que tem ainda hoje, pois, assim, como forjaram a sociedade de um estado de natureza, forjaram também o homem que viria a ser cidadão nela, mais particularmente, um EmÃlio, e uma Sofia a partir dele, cujas existências plagiadas das Escrituras divinas fizeram pensar mais numa educação fictÃcia para a sociedade fictÃcia que acabavam de criar do que numa sociedade por vir, pois, obviamente, deste modo, nada mudaria, nada seria diferente, não haveria uma sociedade no futuro, mas uma sociedade do passado transmutada no presente. Isto não seria, de outro modo, sair da menoridade da razão tendo em vista que o pensamento ainda se voltava para o passado, pois o homem-lagarta não conseguia ainda perceber o motivo de sua existência, que o verde das folhagens não eram apenas o alimento para seu corpo, mas a possibilidade de transformação dele, radicalmente, como ser imanente para ser transcendental. Neste sentido, a possibilidade de conhecimento do homem a si mesmo quanto ao limite do seu próprio conhecimento definida por Kant é o momento em que nós como lagartas nos pomos em nosso estado de crisálida por já percebermos a partir dele o inÃcio de nossa transformação de homens em cidadãos. Porém, não à maneira de EmÃlios e Sofias, concebidos deste ou daquele modo por outro ser, imanente ou transcendente, mas por criarmos a nós próprios pensando em nosso futuro, no que virÃamos a ser, seja em nossa maioridade racional, seja, principalmente, em nossa maioridade legal, como cidadãos submetidos a uma lei, não mais natural, tão pouco forjada em contrato, mas estabelecida por nós mesmos a nós mesmos, como o preceito futuro do que deverÃamos fazer, as famosas máximas kantianas, cuja principal já nos advertia: "Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal."
Que cidadão é este a ser produzido por estas máximas, é o que muitos perguntam e dão muitas respostas cada um pensando o cidadão à sua maneira e incumbindo a educação de fazê-lo existir, contudo, isto é o que menos importa, ou que deveria importar, pois o esclarecimento de Kant, para além dos limites do seu conhecimento, é o vislumbrar de uma sociedade futura não a partir de uma passada em seu estado de natureza, mas de si mesma, produzida a partir de sua própria razão, de suas próprias luzes e não por coincidência a descoberta da luminosidade da Ideia vai desencadear a descoberta da luminosidade elétrica, pois é a partir das luzes que se pode ver à frente na escuridão, e os faróis dos trens são o prenúncio maquinal da sociedade em que vivemos. Pois é a partir das luzes postas a frente que se pode produzir o amanhã independente da escuridão, o que a criação das máquinas elétricas não representa simplesmente a possibilidade da existência humana a partir de produtos diversos, mas a possibilidade de uma existência do homem para além de suas próprias limitações, principalmente, de conhecimento. E, neste sentido, se Kant fez do homem uma lagarta pondo a si mesmo um limite para seu conhecimento e para sua existência, como se pusesse em uma crisálida, ou quem sabe na mônada de Leibniz, Kant mesmo sendo este homem-lagarta de certo modo, mal sabia ele que este limite viria a ser o ponto mais marcante da humanidade por vir, cuja existência adviria da metamorfose da lagarta em borboleta, este momento que ele vislumbrou em seu pensamento como transcendental e da qual emerge senão a sociedade da expectativa em que vivemos hoje cujo lema é pensar no futuro, mesmo vivendo no presente, advindo do sapere aude! de Kant.
Antes dele, porém, de fato, o cidadão já tinha sido pensado pelos contratualistas, e foram estes que sem dúvida forjaram o homem a partir de um estado de natureza no qual a sociedade foi primeiramente pensada como algo futuro, por vir. Este foi o momento em que nós como lagartas já nos alimentávamos pensando no nosso fim sem saber qual era ele, pois a saÃda do estado de natureza nos convencia de que a sociedade precisava ser criada de alguma forma, que ela deveria ser pensada em seu por vir, para que, bem ou mal, não tornássemos ao estado de natureza, selvagem ou não. Enfim, que era preciso estabelecer um contrato social com os direitos do homem e do cidadão para que a sociedade pudesse ser ou existir como tal.
Foi então que, ao pensarem como manteriam este contrato, a educação adquiriu a forma que tem ainda hoje, pois, assim, como forjaram a sociedade de um estado de natureza, forjaram também o homem que viria a ser cidadão nela, mais particularmente, um EmÃlio, e uma Sofia a partir dele, cujas existências plagiadas das Escrituras divinas fizeram pensar mais numa educação fictÃcia para a sociedade fictÃcia que acabavam de criar do que numa sociedade por vir, pois, obviamente, deste modo, nada mudaria, nada seria diferente, não haveria uma sociedade no futuro, mas uma sociedade do passado transmutada no presente. Isto não seria, de outro modo, sair da menoridade da razão tendo em vista que o pensamento ainda se voltava para o passado, pois o homem-lagarta não conseguia ainda perceber o motivo de sua existência, que o verde das folhagens não eram apenas o alimento para seu corpo, mas a possibilidade de transformação dele, radicalmente, como ser imanente para ser transcendental. Neste sentido, a possibilidade de conhecimento do homem a si mesmo quanto ao limite do seu próprio conhecimento definida por Kant é o momento em que nós como lagartas nos pomos em nosso estado de crisálida por já percebermos a partir dele o inÃcio de nossa transformação de homens em cidadãos. Porém, não à maneira de EmÃlios e Sofias, concebidos deste ou daquele modo por outro ser, imanente ou transcendente, mas por criarmos a nós próprios pensando em nosso futuro, no que virÃamos a ser, seja em nossa maioridade racional, seja, principalmente, em nossa maioridade legal, como cidadãos submetidos a uma lei, não mais natural, tão pouco forjada em contrato, mas estabelecida por nós mesmos a nós mesmos, como o preceito futuro do que deverÃamos fazer, as famosas máximas kantianas, cuja principal já nos advertia: "Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal."
Que cidadão é este a ser produzido por estas máximas, é o que muitos perguntam e dão muitas respostas cada um pensando o cidadão à sua maneira e incumbindo a educação de fazê-lo existir, contudo, isto é o que menos importa, ou que deveria importar, pois o esclarecimento de Kant, para além dos limites do seu conhecimento, é o vislumbrar de uma sociedade futura não a partir de uma passada em seu estado de natureza, mas de si mesma, produzida a partir de sua própria razão, de suas próprias luzes e não por coincidência a descoberta da luminosidade da Ideia vai desencadear a descoberta da luminosidade elétrica, pois é a partir das luzes que se pode ver à frente na escuridão, e os faróis dos trens são o prenúncio maquinal da sociedade em que vivemos. Pois é a partir das luzes postas a frente que se pode produzir o amanhã independente da escuridão, o que a criação das máquinas elétricas não representa simplesmente a possibilidade da existência humana a partir de produtos diversos, mas a possibilidade de uma existência do homem para além de suas próprias limitações, principalmente, de conhecimento. E, neste sentido, se Kant fez do homem uma lagarta pondo a si mesmo um limite para seu conhecimento e para sua existência, como se pusesse em uma crisálida, ou quem sabe na mônada de Leibniz, Kant mesmo sendo este homem-lagarta de certo modo, mal sabia ele que este limite viria a ser o ponto mais marcante da humanidade por vir, cuja existência adviria da metamorfose da lagarta em borboleta, este momento que ele vislumbrou em seu pensamento como transcendental e da qual emerge senão a sociedade da expectativa em que vivemos hoje cujo lema é pensar no futuro, mesmo vivendo no presente, advindo do sapere aude! de Kant.
É este lema que que nos faz cada vez mais "cidadãos" hoje em dia mesmo que nunca tenhamos lido Kant. Mas também é a dissonância que existe entre a nossa vida de modo presente e a expectativa dela no futuro por meio de diversos pensamentos que é também nosso grande problema. O lema “O futuro é agora!”, do filme Na roda da fortuna (The Hudsucker Proxy, 1994), não é apenas uma ficção de nossa vida atual, é a condição atual de nossa própria existência, do a-partamento dela em relação a si mesma vivendo no presente e pensando no futuro. As consequências disto foram elencadas no inÃcio: ansiedade, nervosismo, depressão, melancolia, receio, medo, enfim, do que virar.
Talvez nos perguntemos por que todo este mal previsto se não sabemos o que é o futuro, mas a questão é que sabemos o que é o futuro, tal como Jacques Derrida nos alertava em 1967, na EpÃgrafe de sua Gramatologia, quando dizia que: “O futuro só se pode antecipar na forma do perigo absoluto. Ele é o que rompe absolutamente com a normalidade constituÃda e por isso somente se pode anunciar, apresentar-se, na espécie da monstruosidade.” (DERRIDA, 2004, p. 6) Neste sentido, não se trata de pensar que mal nos espera no futuro, a morte, por exemplo, como mal irremediável, ou o mal vislumbrado em todos os filmes de ficção e distopia, apesar disto já demonstrar o que Derrida prenunciara, mas pensar que o futuro é propriamente a nossa morte, que ele é o que nos mata a cada dia que esperamos por ele, que a vida deve ser pensada, não simplesmente vivida, no seu presente, que o nosso pensamento do futuro, a expectativa pelo futuro, pelo virar ser, nos angustia ao ponto do futuro deixar de existir como um tempo para ser uma vã filosofia, uma filosofia do futuro, seja a de Nietzsche ou a do capital humano.
Para além e aquém do mal que vislumbramos como futuro em nosso pensamento do futuro, portanto, estão as consequências do futuro em nossa vida presente, haja vista que quanto mais investimos em nossa vida pensando no futuro dela mais deixamos de vivê-la em toda sua intensidade, ou mais a vivemos numa intensidade além de sua capacidade, e sofremos inevitavelmente de ambas as formas. Nosso corpo, mais do que qualquer outro sente quando ultrapassamos o limite, mesmo que seja em nossa alma, haja vista o paralelismo entre ele e ela que nos alertara Espinosa em sua Ética. E se é possÃvel para além deste paralelismo falar de uma anterioridade em relação a ambos, o que o corpo sente se faz anterior na medida em que percebemos primeiramente nele as consequências de um pensamento do futuro, haja vista que o próprio pensamento não pode se antecipar em seu mal a não ser através do corpo alertando-o de que algo não está bem ou pode não vir a ficar bem, mesmo sem saber o que é, enfim, sobre o mal-estar de uma civilização ainda por vir.
Deste modo se sabemos que estamos vivendo em uma sociedade da expectativa é, sobretudo, porque nossos corpos nos alertam sobre isto constantemente. Todas as consequências mencionadas no inÃcio nos levam a pensar assim, mas elas são apenas consequências cujas causas podemos apenas vislumbrar na medida em que pensamos na sociedade em que vivemos, ou não vivemos, pensando no futuro, no caso, esta sociedade da expectativa que nos conduz ao nosso futuro anterior como uma epÃgrafe da sociedade em que vivemos no presente e da qual estamos a cada vez mais nos separando, mesmo que permaneçamos ligados a ela de algum modo em nosso a-partamento.
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