A última aula-espetáculo de Ariano Suassuna
Foi em 26 de novembro de 2009 que vi Ariano Suassuna pela última vez. Ele encerrava a 11ª Mostra Cariri de Cultura com mais uma de suas aulas-espetáculos no Sesc São Luiz, localizado no prédio do histórico Cine São Luiz, um palco magistral, por sinal, para sua aula.
Na ocasião, eu não estava só. Trinta estudantes me acompanhavam numa jornada épica para assistir sua aula-espetáculo. Eram estudantes da EEEP Marvin, no bairro Pirambu, uma escola de tempo integral na qual estudavam de 7h às 17h, e na qual eu tentava humildemente incentivá-los nas horas vagas a enveredar pela arte do teatro justamente com a peça “O santo e a porca”, de Suassuna. E o que melhor para estimulá-los ainda mais do que verem o autor da peça, ouvi-lo e sentir de perto a força de suas palavras? Assim fomos em comitiva depois de mais um dia de aula, cansados, mas esperançosos, eu mais do que eles, para o centro da cidade que já estava em clima de fim de ano com as comemorações do Natal.
Ali, em fila com muitos outros, esperamos impacientemente para entrar, os estudantes mais preocupados em se divertir do que com a aula, fazendo festa na Praça do Ferreira, tirando fotos, eufóricos por estar ali, alguns por conhecer o Cine São Luiz, que já não passava mais filmes, à espera de mais uma aula, a derradeira do dia. Sim, mais uma aula, depois de tantas que eles já tinha tido, sim, estudantes de uma escola pública, sim, à noite, e apenas eu ali para controlar seus ânimos, sim.
Quando os portões do cinema se abriram e adentramos, a espera se prolongou lá dentro enquanto alguns se divertiam, subindo e descendo as escadarias, outros sentados conversando, outros tirando fotos, até que, por fim, diminuto no imenso palco daquele imenso cinema, em sua palidez costumeira, em sua meiga velhice, Suassuna aparece e ouvimos sua voz debruçar-se sobre nós com todo o sotaque paraibano, altivo e incisivo aos ouvidos. Enquanto eu o ouvia eufórico, não me contendo em apreciar suas palavras mais do que ouvi-las, os estudantes permaneciam ali, alguns interessados, outros não, a escutar aquele senhor velho a criticar os modismos de então, a destilar seu veneno contra a banda Calipso, a vociferar a sabedoria dos Antigos com seus causos, a mostrar o que tinha feito como Secretário de Cultura de Pernambuco, algo inimaginável em qualquer sentido, durante sua aula-espetáculo.
Em meio a tudo aquilo eu não parava de pensar em minha empreitada ali como professor de filosofia com os estudantes assistindo sua aula-espetáculo, pensando no que ele estava ali a me ensinar mostrando e mostrando-se naquele palco ao mesmo tempo como professor e como artista, a fazer rir, a fazer pensar, a fazer até mesmo odiá-lo, caso alguém não gostasse de suas opiniões, afinal, a cultura, para ele, era muito diferente da cultura que muitos assistem na televisão. Era surpreendente como ali, sentado junto com os estudantes, compartilhava com eles algo comum sem distinção de hierarquias, como compartilhava com eles as palavras de um ancião, algo que poucos fazem hoje em dia, mas fiz muito com meus avós, escutando-os, e como aprendi com ele inconscientemente, naquele dia, o que é ser um professor ou o professor que eu queria ser, como transformar minha aula num espetáculo como ele.
Assim é que desde, então, tento ser um professor a fazer de minhas aulas espetáculos me preocupando em ensinar filosofia, inevitavelmente, mas, principalmente, fazendo com que os estudantes não simplesmente aprendam, mas também riam, se emocionem, se divirtam com e até se enraiveçam com as aulas, pouco importando que o aprendizado deles seja ali, naquele momento, pois nunca é, mas que a aula seja um espetáculo que apreciem sentados em suas cadeiras, passivos, de certo modo, como em toda aula expositiva, mas atentos como se estivessem diante de um monólogo teatral a lhe expor a vida tal é, de fato, a filosofia. E é, por sua vez, que, desde então, aprendi a valorizar mais a emoção de meus estudantes em risos e reflexões diante do que lhes apresento em sala do que os conteúdos que devem aprender, fazendo-os compreender que uma aula é, como a vida, como a filosofia, um espetáculo sem fim, mesmo que seja a última, posto que inesquecível, como a última aula-espetáculo de Ariano Suassuna que assisti.
Na ocasião, eu não estava só. Trinta estudantes me acompanhavam numa jornada épica para assistir sua aula-espetáculo. Eram estudantes da EEEP Marvin, no bairro Pirambu, uma escola de tempo integral na qual estudavam de 7h às 17h, e na qual eu tentava humildemente incentivá-los nas horas vagas a enveredar pela arte do teatro justamente com a peça “O santo e a porca”, de Suassuna. E o que melhor para estimulá-los ainda mais do que verem o autor da peça, ouvi-lo e sentir de perto a força de suas palavras? Assim fomos em comitiva depois de mais um dia de aula, cansados, mas esperançosos, eu mais do que eles, para o centro da cidade que já estava em clima de fim de ano com as comemorações do Natal.
Ali, em fila com muitos outros, esperamos impacientemente para entrar, os estudantes mais preocupados em se divertir do que com a aula, fazendo festa na Praça do Ferreira, tirando fotos, eufóricos por estar ali, alguns por conhecer o Cine São Luiz, que já não passava mais filmes, à espera de mais uma aula, a derradeira do dia. Sim, mais uma aula, depois de tantas que eles já tinha tido, sim, estudantes de uma escola pública, sim, à noite, e apenas eu ali para controlar seus ânimos, sim.
Quando os portões do cinema se abriram e adentramos, a espera se prolongou lá dentro enquanto alguns se divertiam, subindo e descendo as escadarias, outros sentados conversando, outros tirando fotos, até que, por fim, diminuto no imenso palco daquele imenso cinema, em sua palidez costumeira, em sua meiga velhice, Suassuna aparece e ouvimos sua voz debruçar-se sobre nós com todo o sotaque paraibano, altivo e incisivo aos ouvidos. Enquanto eu o ouvia eufórico, não me contendo em apreciar suas palavras mais do que ouvi-las, os estudantes permaneciam ali, alguns interessados, outros não, a escutar aquele senhor velho a criticar os modismos de então, a destilar seu veneno contra a banda Calipso, a vociferar a sabedoria dos Antigos com seus causos, a mostrar o que tinha feito como Secretário de Cultura de Pernambuco, algo inimaginável em qualquer sentido, durante sua aula-espetáculo.
Em meio a tudo aquilo eu não parava de pensar em minha empreitada ali como professor de filosofia com os estudantes assistindo sua aula-espetáculo, pensando no que ele estava ali a me ensinar mostrando e mostrando-se naquele palco ao mesmo tempo como professor e como artista, a fazer rir, a fazer pensar, a fazer até mesmo odiá-lo, caso alguém não gostasse de suas opiniões, afinal, a cultura, para ele, era muito diferente da cultura que muitos assistem na televisão. Era surpreendente como ali, sentado junto com os estudantes, compartilhava com eles algo comum sem distinção de hierarquias, como compartilhava com eles as palavras de um ancião, algo que poucos fazem hoje em dia, mas fiz muito com meus avós, escutando-os, e como aprendi com ele inconscientemente, naquele dia, o que é ser um professor ou o professor que eu queria ser, como transformar minha aula num espetáculo como ele.
Assim é que desde, então, tento ser um professor a fazer de minhas aulas espetáculos me preocupando em ensinar filosofia, inevitavelmente, mas, principalmente, fazendo com que os estudantes não simplesmente aprendam, mas também riam, se emocionem, se divirtam com e até se enraiveçam com as aulas, pouco importando que o aprendizado deles seja ali, naquele momento, pois nunca é, mas que a aula seja um espetáculo que apreciem sentados em suas cadeiras, passivos, de certo modo, como em toda aula expositiva, mas atentos como se estivessem diante de um monólogo teatral a lhe expor a vida tal é, de fato, a filosofia. E é, por sua vez, que, desde então, aprendi a valorizar mais a emoção de meus estudantes em risos e reflexões diante do que lhes apresento em sala do que os conteúdos que devem aprender, fazendo-os compreender que uma aula é, como a vida, como a filosofia, um espetáculo sem fim, mesmo que seja a última, posto que inesquecível, como a última aula-espetáculo de Ariano Suassuna que assisti.
Im memoriam.
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