A equação da violência
Se tornou comum às pessoas que questionam a brutalidade humana o
mantra do Profeta Gentileza: "Gentileza gera gentileza", segundo o
qual se você é gentil com alguém esta pessoa também será gentil com você. Uma
equação simples que tornou conhecido seu criador pelas ruas do Rio de Janeiro e que muitas pessoas a entoam diante da violência nas manifestações sociais hoje em
dia.
Na contramão deste processo e com muito
mais coro, há aqueles que ecoam, porém, outro mantra, muito mais difundido e
que tem apoio governamental forte, o de que contra a violência atualmente em
descalabro, não apenas em manifestações, mas cotidianamente, deve se impor mais
violência, seja através de leis, seja através das próprias mãos. Não são
poucos, neste sentido, os casos de "justiceiros" que através da
violência agridem e torturam pessoas acusadas de roubo e não são poucas as leis
que buscam investir o Estado de um poder maior de violência, nem pouco a
violência dos policiais a serviço do Estado para diminuir a violência.
Seguindo a lógica do Profeta Gentileza,
podemos dizer que se gentileza gera gentileza, atualmente na sociedade
brasileira, também violência
gera violência, mas ao contrário da pregação do profeta urbano em que o
resultado é sempre bom, neste caso, não podemos dizer o mesmo, pois seu fim
parece ser o mesmo do que o de uma história contada há muito tempo por uma tia
minha, a Tia Nica, sobre um homem que chega numa cidade perguntando a uma pessoa
quem é e onde está o homem mais valente da cidade para enfrentá-lo, o que a pessoa o
encaminhou ao cemitério.
O que é interessante nesta equação da violência atualmente é que
mesmo entoando o mantra da violência gera violência, para muitos a violência
não é um resultado da violência como a gentileza é um resultado da gentileza. O
que isto faz lembrar uma das famosas frases de George Orwell em 1984: Guerra é
paz. Para as pessoas, de um modo geral, quando se combate a violência com
violência, é como se esta não fosse propriamente uma violência, mas uma força
contrária à violência que não é violência. Donde se pode fazer a seguinte
diferenciação, que a violência das pessoas em seu cotidiano e manifestações
sociais é uma violência “ruim” e a outra, dos “cidadãos de bem”, dos policiais
e do Estado em sua lei, é uma violência “boa”. E que, sob este aspecto, a
violência não é necessariamente má, algo negativo, como se poderia acreditar,
mas uma coisa boa também.
Em outras palavras, ao contrário do mantra que evocamos aqui, de
que violência gera violência podendo-se dizer que violência não gera violência e que a violência na medida em que é
contradita pela violência desvanece-se em si mesma. Ou ainda, que se V → V’ =
não-V (traduzindo: se a violência implica a violência, o resultado é a
não-violência).
Em relação a este aspecto, parece simples então resolver os
problemas sociais existentes no Brasil, quiçá no mundo, pois a solução é
simples: a violência! Por exemplo, se há violência devido o tráfico de drogas, basta
ser violento com o tráfico de drogas. Se há violência de assaltantes, basta ser
violento com os assaltantes. Se há violência dos manifestantes, basta ser
violento com os manifestantes. Se há violência dos filhos, basta ser violentos
com eles.
Neste sentido, para os profetas do bem-estar da população,
governantes e “cidadãos de bem”, o mantra do Profeta Gentileza está
ultrapassado, pois “Violência gera gentileza”, no caso, a violência contra
aqueles que são violentos, seja quem for.
Se todos pensarem assim, com certeza, todos nós
poderemos enfim dormir em paz como o mais violento da cidade na história de
minha tia.
P.S. Parabéns, Tia Nica, pelo seu aniversário (12/04) e pela sua sabedoria.
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