O maior jogo de ping pong da história
Nunca a expressão "levar na esportiva" fez tanto sentido como na partida de ping pong entre o chinês Chuang Chih-Yuan e o belga Jean-Michel Saive na China demonstrando que tudo pode ser melhor quando não levamos tão a sério o jogo da vida. (Confira o vídeo ao final do texto.)
Que este jogo tenha acontecido na China e que nada o tenha impedido de acontecer, mesmo sendo um jogo oficial, demonstra ainda mais a necessidade de pensarmos que a vida assim como o jogo não pode ser vista apenas em suas regras impostas, nos limites estabelecidos para que ela aconteça, isto é, em sua política. Isto porque ela sempre, literalmente, transborda, transpõe, mais dia, menos dia, este limite e, se detém nele, a vida não é propriamente um limite, uma regra, uma imposição, mas o transbordamento disto tudo também.
Ao assistir um jogo normal percebemos como a vida pode ser regra, definida de determinados modos, em que nossas ações sempre acontecem de um mesmo modo, ao ponto de já podermos esperar o que vai acontecer, o acontecimento não sendo mais como tal, apenas um momento entre tantos outros em nossa vida que se repetem quando e vez. Mas quando assistimos um jogo como este, o qual nunca assistiremos tão brevemente em sua espontaneidade, ainda que se repita, percebemos todo um transbordamento necessário à vida em muitos momentos. Um momento em que os limites e as normas são transpostas, mas sem que isto indique que sejam a nossa destruição, uma morte de tudo que acreditamos, um mal, enfim. Pelo contrário, um momento que nos traz um alento oportuno, um momento de criação, um bem, enfim, que faz da vida uma crença em si mesma, isto é, um puro acontecimento.
Cada jogada dos jogadores neste jogo épico demonstra este transbordamento, uma transposição do limite que não é a destruição do limite mesmo, mas colocar a borda ou pôr o limite um pouco mais além, produzir um alargamento cada vez mais crescente dele, uma potencialização cada vez maior sua perdê-lo de vista. No caso, sem perder de vista que o limite que separa ambos os jogadores, os une magistralmente, e cada transposição dele, os faz cada vez melhores, mais potentes. A cada transposição da bola à rede, uma euforia crescendo, pois o limite foi transposto e, com ele, cada jogador em sua vida.
Transpor o limite, neste sentido, é jogar com ele, isto é, não ver o limite como um limite absoluto, intransponível, o qual não nos permite ver nada além dele. Assim como neste jogo, é preciso ver o limite sempre como algo transponível e que podemos transpô-lo de vários modos, não necessariamente do mesmo modo sempre. E para transpô-lo é preciso criatividade, ou, neste caso, levar literalmente na esportiva, o que não se pode fazer sozinho, nem tão pouco quando se perde o limite de vista. Isto é, quando a transposição do limite, a criatividade e esportividade necessárias a ele, levam à destruição do limite mesmo. Pois a criatividade é a transposição de um limite e, sem ele, toda ela é perdida, assim como sem a rede e a linha que separa e liga um lado e outro da mesa, um e outro jogador, um e outro país que eles representam, tudo o que os jogadores fazem neste vídeo perde completamente o sentido, a vida perde o sentido em seu transbordamento e o que advém é a morte, a seriedade da vida, seu regramento absoluto, o impor absoluto de normas, o estabelecimento absoluto de limites.
Com que alegria vemos os jogadores, e eles também vêem, o transbordar do limite da rede, da quadra, da disposição da mesa, do modo de agir a cada jogada, das caras antes sérias em risonhas, das bocas antes contidas em gargalhantes, do corpo antes rígido em maleável, das regras antes definidas redefinindo-se a cada jogada ao ponto de levar-nos ao êxtase, o "fora de si" (Ékstasis) grego. Alegria que é da própria vida representada no esporte que em sua mais simples expressão grega antiga queria dizer andar (póreuome), simplesmente sair do lugar, do limite antes estabelecido.
Neste sentido, o próprio jogo somente se torna esporte quando ele transpõe as regras que o estabelecem e nos faz sair do lugar, mesmo permanecendo nele. Ou seja, quando simplesmente a bola transpõe a rede o que, não é por ironia, mas por uma percepção clara disto que se podemos dizer que os gregos inventaram os jogos olímpicos como festejos da vida, os ingleses foram aqueles que transformaram os jogos como festejos da vida em esportes na medida em que eles, em meio a toda a disciplina vitoriana limitadora da vida de diversas formas, criaram várias formas de transpor a vida o que fizeram isto exemplarmente ao criarem jogos que têm uma rede que não apenas limita, mas se estende como limite sempre.
Rede que muito bem representa a vida em seu limite, seriedade e dificuldades, mas que, ultrapassada, se torna cada vez melhor, mais alegre, mais viva.
O que, por fim, isto foi demonstrado de modo sublime pela partida, outro nome singular para jogo, de pingue pongue entre o chinês Chuang Chih-Yuan e o belga Jean-Michel Saive na China que, não por menos, fizeram reviver o ping pong em sua origem inglesa como fim propriamente recreativo, antes de se tornar tênis de mesa.
Confira o vídeo:
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