Elysium - para além da ficção científica

Para além da ficção científica, Neil Blomkamp, diretor de Distrito 9, demonstrou com Elysium uma realidade distópica e, ao mesmo tempo, utópica, bem diferente da qual estamos acostumados a ver nos cinemas, mas constantemente fora dele: a busca por saúde e suas inevitáveis dificuldades para aqueles que são pobres. Nada mais simples demonstrado de modo sensacional neste filme ao mesmo tempo de entretenimento e engajamento deste diretor sul-africano que é um dos poucos atualmente que consegue com seus filmes fazer-nos pensar todas as nossas mazelas humanas.

Nada em Elysium nos remete a um enredo tradicional de filme de ficção científica o que faz dele ser também classificado como drama, o que demonstra claramente que não estamos diante de um filme em que homens e máquinas se opõem, pelo contrário, se suplementam, construindo-se mutuamente, como é possível perceber no personagem Max, de Matt Damon, um operário de constrói robôs para viver em sua condicional e que é reconstruído parcialmente como um após ficar doente. Por sinal, a suplementaridade entre homens e máquinas substituindo a oposição entre ambos é algo relevante em todo o filme desde as primeiras cenas em que robôs substituem os homens enquanto policiais e burocratas, mas ainda permanecem controlados por humanos. O que isto novamente destoa a ficção científica de Elysium e a faz merecer uma análise que vá além de sua ficção.

Para tanto, é preciso pensar que tudo no filme Elysium não se refere a uma perspectiva modernizante na qual homens e máquinas buscam o poder sobre tudo. Quem vê neste filme apenas isto não sai do senso comum das ideias de controle social produzidas por homens através de máquinas e vice-versa em voga no clássico filme O exterminador do futuro, que deu o tom de todas as ficções científicas distópicas até sua apoteose com Matrix. Elysium é ao mesmo tempo mais simples e mais complexo do que isto. Mais simples, porque não se trata de opor homens e máquinas, mas demonstrar a oposição dos homens entre si. E, mais complexo, porque ao fazer isto, demonstra como ela supera a oposição homem-máquina, pois, por mais que as máquinas consigam detectar e prever movimentos, como nas cenas do robô policial que agride Max no início e do robô-burocrata que cuida de sua condicional em seguida, em nenhum dos casos elas são capazes de julgamento, tão somente da execução deles, o que não os diferencia em certa medida de nenhum policial ou burocrata humano, pois, assim como estes muitas vezes, os robôs/máquinas apenas obedecem ordens e todo o mal que produzem não pode ser imputado a eles, somente aos que os programaram. É o que Max faz, ademais, enquanto operário ao seguir as ordens de seu supervisor humano como se fosse uma máquina, até perceber que ao obedecer simplesmente ordens isto o levou a uma doença mortal ao entrar numa máquina de radiação para consertá-la como seu supervisor tinha ordenado.

A tomada de atitude de Max, neste sentido, pode ser comparada a do personagem Wikus van de Merwe em Distrito 9, mas Max vai além da simples ação reativa de Wikus ao sistema de que faz parte depois de se ver excluído dele quando começa a se tornar alienígena e, assim, perseguido como ele perseguia os outros alienígenas anteriormente. A ação de Max, se é uma reação ao sistema que separa os cidadãos de Elysium dos cidadãos da Terra, particularmente no que diz respeito ao sistema de saúde, ela deixa de ser uma simples reação quando percebe-se que, a partir do momento em que adoece mortalmente, Max toma consciência de sua própria condição social enquanto pobre, latino, menor abandonado e delinquente, presidiário e operário, o que demonstra que um conatus, isto é, um perserverar para se manter vivo o faz questionar de um ponto de vista exclusivamente ético a moral que separa os ricos cidadãos de Elysium dos pobres cidadãos da Terra. Uma tomada de consciência vulgar que tem como fundamento em sua infância o simples desejo de viver em Elysium, o qual ele busca realizar roubando dinheiro para comprar uma passagem até lá, e que se torna uma tomada de consciência propriamente humana quando abdica de sua vida para que todos possam ter saúde na Terra a partir das tecnologias de cura de Elysium, até então exclusiva dos ricos.

Esta tomada de consciência de Max quanto àquilo que ele precisa para sobreviver e que somente alguns poucos têm acesso, no caso das tecnologias de cura de Elysium, onde ninguém morre ou envelhece, distingue também a ficção científica de Elysium em relação a dos outros filmes na medida em que pouco importa ao diretor mostrar as inovações tecnológicas de que seu próprio filme se serve. O que importa é demonstrar a quem elas servem. Os efeitos especiais deste filme e tudo que nele existe de maravilhoso tecnologicamente e que nos levam à ilusão de uma realidade fictícia e distópica de um futuro possível em que ricos e pobres ocupam literalmente mundos diferentes servem apenas para demonstrar a realidade não menos distópica, porém atualmente vivenciada em várias partes do mundo por milhares de pessoas no que diz respeito a um dos direitos humanos básicos que é a saúde.

A precariedade do sistema de saúde na Terra é, neste sentido, aquilo que motiva todos a irem para Elysium, mas também o que motiva a utilização de todos os meios possíveis para reservar apenas aos ricos o direito a uma saúde plena, em particular o golpe de Estado conduzido pela personagem Delacourt (de Jodie Foster), Secretária de Defesa de Elysium, que utiliza tanto o poder militar oficial como o extraoficial paramilitar, mercenário e terrorista, o que demonstra de modo absurdo, porém nem tanto, a utilização de aparelhos de Estado em defesa dos interesses exclusivos de uma minoria dominante economicamente. Toda a ação do filme, por sua vez, é esta tentativa desenfreada de busca pela sobrevivência tanto dos cidadãos da Terra como de Elysium, cada um dispondo dos meios que lhe são possíveis para se manterem vivos, o que quer dizer saudáveis, mas também sãos, o que, por fim, com isto, este filme eleva a ficção científica a um patamar que ela apenas galgou em outros filmes, mas nunca conseguira: a própria realidade humana na Terra, a qual nunca devemos esquecer como adverte a freira a Max.


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