As boas novas de Monsieur Lazhar

No diálogo O Banquete, de Platão, Pausânias em seu elogio do amor faz referência à função do pedagogo em sua época destacando além da função costumeira deste enquanto escravo de levar os jovens às palestras e à escola a função de não permitir aos amados que conversem com os amantes, conforme ordem prescrita pelos pais. Neste sentido, podendo-se dizer que o pedagogo deveria ao longo do caminho que levava os jovens à escola impedir que o amor atrapalhasse, por assim dizer, o ensino dos jovens impedindo que estes encontrassem seus amados. Outrossim, impedindo neste trajeto qualquer contato amoroso entre eles em detrimento do saber escolar.

No filme Monsieur Lazhar, intitulado no Brasil O que traz as boas novas, uma referência ao significado de Bachir, primeiro nome de Monsieur Lazhar, vemos como a prescrição ao pedagogo na Grécia antiga depois de mais de vinte século ainda permanece atual e ao professor, atual pedagogo, ainda compete esta regra máxima de separar o saber dos afetos, principalmente do amor dos amantes, como bem ensinou Platão a partir de Sócrates em seu banquete. Isto porque, como diria Platão em outro diálogo, Fédon, os afetos confundem a alma em sua busca de sabedoria e, deste modo, devem ser evitados por aquele que deseja aprender, conhecer o que as coisas realmente são, as Ideias, segundo ele. Por sua vez todo contato corporal deveria ser evitado numa ascese espiritual, pois o corpo é onde se manifestam os afetos e o contato dos corpos seriam o que mais perturba a alma e a busca pelo saber.

Mas o que acontece quando não se demonstra amor na escola? É o que demonstra brilhantemente este filme em uma rara crítica a toda educação racionalista que temos hoje em dia em que, asseverando a prescrição antiga, impede não apenas os jovens de se amarem, mas também professores e estudantes, não propriamente como amantes, mas como seres dotados de um amor necessário a qualquer convívio, como faz Fedro em seu elogio utópico ao amor considerando que se numa cidade todos se amassem em nome do amor todos se elevariam às maiores virtudes.

As boas novas trazidas por Monsieur Lazhar a nós, neste sentido, devem ser muito bem pensadas, principalmente naquilo que, em determinado diálogo dele com os pais de uma estudante, o pai lhe prescreve a ordem de ensinar e não de educar sua filha, demonstrando assim a diferença muito clara hoje em dia da prescrição antiga, tendo em vista que ao professor-pedagogo cabe apenas conduzir o estudante ao saber (ensinar, pois) e aos pais, a educação dos afetos. O problema é quando os afetos não são educados pela família e esta falta de educação se manifesta justamente na escola e os professores são obrigados a deixarem a educação destes afetos de lado, pondo a neve no jardim do outro, como diz a diretora da escola, para não se prejudicarem como no filme. E não apenas eles, mas principalmente os estudantes que, deste modo, são obrigados a uma ascese que não podem nem tem como controlar incipientes que são a respeito de tudo que lhes afeta e é desconhecido em seus sentimentos.

Como ensinar sem educar? Como saber sem amor? Como aprender sem ser tocado? Como ensinar sem tocar o outro? Este limite extremo demonstrado filme posto a professores e estudantes é uma fronteira que a cada dia vemos se impor, ainda mais através da tecnologia a qual, se tem utilidade do ponto de vista do ensino-aprendizado, devemos nos perguntar até que ponto ela não eleva a prescrição antiga ao pedagogo à níveis que nós mesmos, professores e estudantes e pais, não possamos suportar quando os afetos que ela impedir de se manifestarem se manifestarem ao ponto de nos destruir. Como foi o caso da professora Martine Lachance a quem Lazhar substitui no filme, a qual impedida de manifestar seus sentimentos, um simples abraço em Simon, seu estudante, que estava chorando por causa dos pais, foi penalizada por isso levando ao extremo de sua morte. Mas também de Simon que diante dos problemas com seus pais não queria nem ao menos se ver chorando ou ser abraçado pela professora a quem denunciou pelo gesto, mentindo como naturalmente fazem os mal-educados, acrescentando que ela havia lhe beijado. No simples gesto deste abraço, no encontro destes dois "amantes", vindo à tona todas as nuances problemáticas dos afetos, não apenas amorosos, mas principalmente os decorrentes da morte da professora os quais vão ser pouco a pouco aplacados por todos, professores, pais, estudantes, sem, contudo, serem impedidos de se manifestarem, como sempre, e, com sua violência, expressa claramente nas atitudes posteriores de Simon por em questão a fronteira entre amor e saber há muito posta, principalmente pela filosofia.

A filosofia em sua sublime palavra, porém, demonstra que amor e saber andam juntos, ainda que em muitos casos distorçam a relação entre ambos desde Platão, submetendo o primeiro ao segundo. Há entre o amor e o saber uma relação que faz deles mesmo separados estarem ligados sempre nesta palavra demonstrando que não há saber sem amor, e tão pouco amor sem saber. E que, neste sentido, se o amor deve nos elevar ao saber, como dizia Platão, o saber deve nos elevar também a um amor sob pena de que saibamos demais e amemos de menos e nunca sejamos realmente educados, tão somente ensinados.

Quando os estudantes perguntam na primeira aula o que significa o nome do professor, ele diz que seu nome significa o que traz as boas novas(Bachir), isto é, a sorte(Lazhar), e uma estudante pergunta então a ele qual a boa nova que ele trouxe e ele diz: "A boa nova é a sorte de estar com vocês hoje."

Confira o trailer:

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