Sobre o poder da mídia - ninja

Percebe-se nitidamente que não foi só a política que entrou em questão com os protestos, mas a própria mídia tradicional, muitas vezes porta-voz desta política, para o bem e para o mal, que, agora, se vê confrontada por estes "ninjas" da comunicação. Quanto a isto, apenas dois detalhes sobre este "observatório" vigilante do papel, da responsabilidade e da ação da imprensa divulgados na reportagem "A militância e as responsabilidades do jornalismo", por Sylvia Debossan Moretzsohn em 23/07/2013 na edição 756 do Observatório da Imprensa (ver aqui).


Primeiro detalhe: A nítida relação da imprensa tradicional com o poder dominante ou com a oposição em vias de dominar o qual é demonstrado do seguinte modo:
1) na "atitude deliberada" do governador em proibir a mídia "ninja" de cobrir sua coletiva, o que, por si só, demonstra que ele só quer os "seus" ao seu lado;
2) mas também a d'O Globo em retirar a notícia desta proibição, o que demonstra mais claramente ainda um cerceamento da mídia que vai além da exclusão da participação de um repórter, mas da palavra mesmo deste, impedido de se expressar pelo meio que justamente defende isto;
3) quando, sobre a notícia do sumiço de uma pessoa no alemão depois de ser detida por policiais, se pergunta como "apenas um exemplo": "Num jornal que apoia as UPPs, a ausência desse questionamento poderia ser atribuída aos repórteres?"

É óbvio que há muito tempo sabemos desta relação, e os jornalistas, mais do que nós, como se pergunta no texto, sem que eles mesmos se sintam culpados disto. Mas eis a questão: saberíamos por eles próprios disto de modo oficial, e não num bar da esquina quando ele vai "afogar as mágoas num botequim ou mesmo [quando ele decide] largar a profissão."? A resposta mais provável é "não", pois, ao que deixa "ver e compreender" da pergunta, ele não tem nada a ver com isto, pois, obviamente, estão somente fazendo o seu serviço, aquilo que são pagos para fazer: a notícia (que pode ou não ser noticiada, dependendo dela, claro, mas também do editor e todos os cortes devidos e indevidos.)

Segundo detalhe: mas eis que entram os "ninja" na mídia e a imprensa tradicional é confrontada por todos os lados, desde suas relações com atuais e futuros dominantes às suas formas de atuação fatiada em vários níveis. Uma mídia ninja não disposta a barganhar de parte a parte, a não fazer cesura em suas notícias e, neste sentido, de (e)ditar "uma" visão e compreensão da realidade, deixando-a aberta interpretação de todos, para o bem e para o mal, como a mídia anterior. E, por conta disto, uma mídia mais capaz de sofrer com os enquadramentos de "formação de quadrilha" e "incentivo à violência" por parte dos policiais e do Estado que ele representa, o que não podem ser feitos à mídia tradicional, pois, já se sabe o que a mídia tradicional iria fazer se acontecesse isto, que é o que se faz atualmente, por exemplo: divulgar em rede nacional o repúdio ao ocorrido pelo meio em questão juntamente com uma nota da associação que os rege no mesmo sentido em defesa da liberdade de imprensa, o que causaria uma celeuma tanto para mandantes como para mandados, sendo estes perseguidos até a morte pela mídia, haja vista a relação anteriormente demonstrada entre a mídia tradicional e o poder político atual e vindouro.

Diante do aparecimento destes ninjas é interessante notar que além da exclusão de coletivas por parte do poder político, da prisão, por parte do poder policial, há também agora a vigilância deles por um "observatório da imprensa", cuja observação cuidadosa destes ninjas na reportagem citada acima demonstra que a democracia não apenas está em xeque em seu aparato político e policial, mas também midiático. E as dissonâncias entre a mídia tradicional e a mídia alternativa "representada" pelos "ninjas" é flagrante. O próprio texto demonstra isto em seus topos cortantes: O repúdio à mídia corporativa, Devagar com o andor, Armadilhas, Qualificação, Ver é compreender?, Mediação e ética, que dão o tom da questão e que, apesar da exaltação da iniciativa ninja, é uma reprovação qualificada do trabalho desta, em desacordo flagrante com as normas canônicas do jornalismo defendida pela jornalista e professora da Universidade Federal Fluminense, escritora de dois livros, Sylvia Debossan Moretzsohn. Sigamos estes topos até a ética sugerida por ele aos ninjas, mas a qualquer jornalista que se preze.

Primeiro: o repúdio à mídia corporativa, não pode ser considerado um atentado "fascista" contra a imprensa já que é um repúdio às relações que ela demonstra com o poder dominante atual e/ou futuro, de modo que não se ataca a imprensa, mas suas relações com este poder, ademais nítidas e históricas e que, sobretudo, devem ser questionadas em defesa da própria democracia. Neste sentido, chamar de "fascista" àqueles que não querem ser filmados é, no mínimo, estranho pois se qualquer pessoa que não queira ser filmada deve ser chamada de "fascista", por acaso, os atores globais que não querem e/ou não podem dar entrevistas a qualquer outro repórter sob pena de infringir seus "contratos", seriam eles fascistas? E os políticos que não querem se expor a não ser numa "coletiva", seriam eles fascistas por querem se esconder em seus movimentos cotidianos, muitas vezes mais "mascarados" do que os manifestantes na rua? E as pessoas comuns, como eu, se não querem dar entrevista por saberem de todas os cortes e manipulações da informação a serem feitas, seriam elas também "fascistas"?

Segundo: devagar com o andor! Realmente. É preciso não apenas ficar atento à representação que os ninjas estão tendo, mas ao modo como a mídia está vendo eles, pois, com certeza, não é com as "falhas evidentes, e eventualmente até uma certa ingenuidade" impingidas a eles, mas com critérios muito bem formulados que é preciso ter em conta para que o "fascismo" das ruas não passe para a academia, pois o que é o "fascismo" encarnado nesta palavra atualmente se não o cerceamento por todos os meios possíveis de todos aqueles que são "contra" o poder estabelecido, não apenas aos olhos delatores dos policiais do Estado, mas também aos olhos da mídia e, principalmente, aos olhos da "academia" que torna possível todos estes olhares? É preciso, portanto, perceber que quando se chama de "fascista" uma pessoa é o mesmo que se chamava "judeu" no antigo Reich, e isto é preocupante, muito preocupante quando não vem do calor das ruas, mas da frieza do claustro acadêmico, pesado e pensado desmesuradamente. Neste sentido, ao ressaltar as "falhas" e a "ingenuidade" dos entrevistadores ninjas em relação à entrevista do prefeito Eduardo Paes, é preciso observar as próprias falhas e ingenuidade desta professora ao considerar que: "Ao receber os ninjas, Paes deu o primeiro sinal de legitimação, por parte de uma autoridade, do trabalho realizado pelo grupo. Precisamente na contramão do que vem fazendo o governador." Falha ingênua e grotesca achar que pelo simples fato de um prefeito chamar alguns jovens para dar uma entrevista, ele "legitimaria" a mídia defendida por eles, o que é demonstrado nitidamente quando se diz que, diante do "despreparo dos entrevistadores, as perguntas mal formuladas e superpostas a outras, [que] facilitaram a atuação de quem está acostumado a esse jogo." O que, nesta afirmação, percebe-se que a legitimidade é uma simples "jogada" que o prefeito quer fazer e o governador, não, e que é "legítima", de certo, mas não legitimadora da mídia ninja como parece acreditar a jornalista. Um jogo que, a despeito do "despreparo dos entrevistadores" e "perguntas mal formuladas", eles percebem muito bem e não há nenhuma falha em perceber isto, muito menos ingenuidade, como demonstram em sua "avaliação autocrítica do seu desempenho" publicada em seu blog. O que ao que parece não deve ser vista como justamente uma maturidade em seu trabalho e demonstra ao contrário que eles caíram numa "armadilha". Afinal, o jornalista deve fazer uma "avaliação autocrítica do seu desempenho" ou isto fica a cargo do chefe também? Ele deve sentir culpa pelo que fez e/ou não fez? De suas limitações como jornalista? Pela limitação de sua reportagem? Ao ressaltar os "desafios" da entrevista eles não fizeram aquilo que é tão propagado como slogan global e vendido como programa "Profissão repórter", no caso "o desafio da reportagem"?

Terceiro: quem caiu afinal na "armadilha"? Com certeza, não os ninjas, que sabiam muito bem onde estavam pisando e quão "ensaboado" era seu entrevistado, e se sua entrevista serviu mais a Paes do que a eles, tão pouco era para eles uma "conquista" falar com o prefeito da cidade, motivo pelo qual dizer que "Por esse texto[o mea culpa dos ninjas], fica claro que o convite partiu do prefeito. E aqui reside um equívoco fundamental da equipe: não perceber que a entrevista interessava à fonte." é um equívoco maior ainda, pois demonstra quão longe em compreender a mídia ninja está esta jornalista ao achar que eles são repórteres pagos por grandes jornais ávidos de notícias e pagam bem, muito bem por entrevistas coletivas e, naturalmente, eles é que deve ir atrás, pois o seu trabalho é "malhar em ferro frio": "Quem malha em ferro frio tem seus limites: a tendência, após muitas tentativas fracassadas, é trabalhar na conta do chá e cumprir sua tarefa de acordo com o previsto, ainda que depois vá afogar as mágoas num botequim ou mesmo largar a profissão." E a diferença destes tipos de repórteres ao fazerem isto e a mídia ninja é, com certeza, hoje, mais difícil de perceber pela academia do que perceber a diferença entre "uma coisa é ir atrás da notícia, outra é a notícia cair no nosso colo, ainda mais embrulhada em papel de presente". E quem não conhece o velho "presente de grego"? De certo, os ninjas não caíram na armadilha, mas os repórteres da mídia tradicional caem com frequência e sempre estão à espera que algum político lhe dê este presente a alavancar sua vida jornalística, quem sabe afundá-lo de vez como um "âncora" jornalístico. E aqui, afundar não quer dizer, obviamente, afundado na notícia, mas totalmente alheio a ela, submerso no meio jornalístico, repousando apenas como uma "imagem" deste, icônica, de certo, mas sem "emoção" alguma a observar o "padrão de qualidade".

Quarto: seria preciso dizer que a melhor forma de denegrir alguém, em qualquer situação, principalmente, num júri, é desqualificar uma pessoa. Este é o viés, ademais, de toda crítica. E não há crítica mais tradicional do que aquela que nos fazem os "Paes". Ou seja, aquela que quer nos demonstrar pela "experiência" como fazer as coisas, a mais moralista de todas. E, neste ponto, podemos dizer que a "crítica" da jornalista mais parece uma correção de trabalho acadêmico exaltando em contrapartida o que é uma reportagem "bem feita", como se ela estivesse em sua sala de aula e diante de si os famosos "focas" e demonstrando como "Quem quer trabalhar com mídia tem de saber onde está pisando e como tudo isso funciona." Mais burocrático, impossível, e desnecessária a informação, pois é óbvio que eles sabem onde estão pisando e é óbvio que sabem como funciona, pois, senão, seriam eles uma mídia alternativa se não soubessem disto e mesmo que não soubessem, sendo mais alternativos ainda? E se os repórteres do "Globo" fizeram uma entrevista melhor, não seria este o trabalho deles, pressupostamente, "fazer melhor"? Afinal, não são pagos para isto? É preciso que alguém informe, ademais, esta diferença? E, ademais, a quem interessa esta diferença? Estarão os profissionais da imprensa ou da mídia interessados nesta "diferença" da imprensa? O comentário crítico e mordaz da jornalista ao fato da mídia ninja não estar cobrindo uma manifestação contra o governo, e sim, uma entrevista do prefeito Eduardo Paes, demonstra bem o lugar desta diferença: "Não teria sido melhor documentar essa manifestação, em vez de encarar um político sem o devido preparo?" Quantas vezes a imprensa com todo o seu aparato se deslocou a todos os pontos da cidade para saber o que estava acontecendo? Quantas vezes a imprensa filtra suas notícias? Se é isto que serve para desqualificá-los, é a própria imprensa que é desqualificada ao mesmo tempo. E, assim, a crítica, como sempre, volta aquele que a manifesta como um bumerangue, quando ela não é bem "crítica". Já o "devido preparo", este, como se disse, devem ter os "profissionais" da mídia a demonstrarem seu valor mais do que o que noticiam.

Quinto: neste sentido, fica gritante a "diferença" de qualidade entre a mídia e o jornalismo profissional que, mais do que denegrir aquele, demonstra como a mídia sai de seus "cortes" tradicionais para um "fluxo" da notícia já empregado em muitos casos por ela, inclusive, recentemente,feito pelo Jornal Nacional quando do quebra-quebra no Leblon. E aqui, o que a jornalista diz demonstra nitidamente a diferença imperceptível ao seu olhar entre a mídia tradicional paranóica, que enxerga controle e quer controlar tudo com seu olhar observador, sob o qual "ver (não) é compreender" e a mídia esquizofrênica que rejeita qualquer controle do seu "fluxo", para quem "ver é compreender":

Não se trata de desqualificar o ponto de vista alternativo oferecido pela Mídia Ninja, aliás fundamental para confrontar as imagens apresentadas pela mídia tradicional e para flagrar situações inesperadas pelo caminho, como já foi dito aqui (ver “A Mídia Ninja ataca outra vez”), mas de apontar a rejeição à edição – ou a essa opção pelo “fluxo”, independentemente das circunstâncias – como um equívoco que dificulta o estabelecimento de um quadro coerente para a compreensão dos acontecimentos. O “fluxo” é certamente fundamental em situações de elevada tensão, mas não pode ser tomado como padrão de atuação.
Quando a mídia tradicional conseguiu com seu controle do fluxo de imagens estabelecer um "quadro coerente para a compreensão dos acontecimentos"? E quando este fluxo de imagens quis se tornar "padrão"? Até hoje, ela tenta "padronizar" o "fluxo" dos protestos e suas imagens e se torna incapaz, com sempre foi, e pensar que obteve isto em algum momento só é possível se imaginarmos que ela detém o "controle da realidade", que, de certo teve, e tem, em alguns momentos, mas por outros meios, como sabemos. O que nos leva, por fim, ao último ponto aqui, o da "mediação e ética" estabelecida pela mídia com a realidade.

Sexto: de início, qualquer mediação com a realidade pode se dizer "ética". Não dá para fugir disto, pois seria negar a relação com o "outro", ou ainda, os "outros", implicados nesta realidade. Mas é fato que sendo um jornalista, esta mediação detém um olhar diferente como demonstra o depoimento do jornalista Victor Ribeiro citado pela jornalista Sylvia e que serve a ela senão para criticar a postura dos ninjas como, ao que parece, falta de "ética" quanto aos interesses deles diante dos fatos, no caso, o apedrejamento no Leblon, para logo em seguida desqualificar novamente a ação dos ninjas sem perceber o mais importante dela, pelo menos para eles.

“Mas lá dentro estavam pelo menos mais três personagens que mereciam ser ouvidos: uma turista espanhola, um rapaz que não tinha dinheiro para pagar a fiança – mas conseguiu – e um outro que, segundo os advogados, morava em Japeri e não conseguiu contatar a família.
Onde está o problema se eles não foram ouvidos? A questão parece óbvia: os ninjas não fizeram seu trabalho direito do ponto de vista jornalístico e, neste sentido, não foram "éticos", pois não se colocaram como "mediadores", algo inadmissível para um "profissional" que se preze. Ademais, o que eles produziram nem se pode dizer que foi uma reportagem, pois como diz o jornalista citado "“A cobertura era atraente para mim, como jornalista longe do ‘fato’, mas não sei se uma pessoa ‘comum’ teria paciência para acompanhar. Era tudo muito perdido. O que mais valeu foram as imagens."" Donde vem a frustração daquele que, talvez, quisesse estar ali, mas não pode ou não deve como jornalista profissional, quem sabe:
Ficar no ar durante cinco, seis, sete horas transmitindo um protesto e não conseguir preencher as lacunas que a grande imprensa deixa abertas é algo difícil de entender. (...) “A Mídia Ninja está lá, no meio da passeata, com trânsito livre entre os manifestantes, com acesso direto ao ‘outro lado’, mas não consegue mostrar com clareza esse outro lado. Uma pena.
 Para ele, o que resta é, talvez, tomar uma no barzinho para afogar as mágoas ou deixar de ser jornalista, como dito antes, sem perceber que "O que mais valeu foram as imagens" Pensar que uma imagem vale mais do que mil palavras não demonstra nenhuma valor daquela em relação a estas, mas pensar que de uma imagem possamos fazer mil palavras, isto demonstra, com certeza, seu valor independente das palavras, mas não superior a elas.

Lembremos, a imagem de Herzog morto na prisão. O que diríamos se não a tivéssemos? Naturalmente, nada além do que se diz sobre a ditadura, mas a questão é que aquela imagem que serviu para demonstrar e inocentar os ditadores acabou depondo contra eles e, hoje, mais do que antes, sabemos disto. E eles também. Se importa quem e o porque ela foi produzida, ela é o que serve como mediadora para aquela realidade, o mesmo acontecendo com os filmes de Leni Riefenstahl sobre Hitler e, por mais que se diga que foi uma tentativa de filtrar a realidade, a realidade nunca se limita aos "filtros" impostos pela objetiva ou pelos objetivos, e demonstrá-las independente destes, assim como por meio destes filtros, não é falta de ética. É se tornar simplesmente "mediador" dela, levando em conta justamente como diz a jornalista que "mediação não significa imparcialidade, nem mesmo equilíbrio – se pensarmos na metáfora do fiel da balança –, porque o jornalismo produzido numa sociedade desigual não pode forjar um equilíbrio inexistente".

O fato desta mediação "dever ser" filtrada, pelo contrário, isto não é ética, é moral. A moral de todo jornalista em relação a seu "chefe" e "cliente leitor", que, de certo, não é a moral ninja. E se uma "pessoa 'comum'" como diz o outro jornalista teria a paciência de acompanhar o fluxo de imagens ninja, ao contrário do que o jornalista pensa, a realidade tem demonstrado que sim, e isto talvez seja o maior temor da mídia tradicional hoje, que as pessoas comuns mudem seu olhar como mudam de canal, que a mídia ninja se torne o "novo padrão de qualidade", o que é parte da paranoia tradicional, saber sempre se tem alguém olhando, enquanto os ninjas, pelo visto, querem mais é se esconder, naturalmente.

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