A literatura e as vantagens de ser invisível
Quantas vezes sonhamos em ser invisíveis? Para alguns, muitas vezes. Para outros, nunca. No filme As vantagens de ser invisível (The Perks of Being a Wallflower), de Stephen Chbosky, este é o menor dos problemas.
Ser invisível nunca é bom. A vida está no que vemos. Viver é ser visível, por mais que pensemos que o essencial está além dos olhos como diria Platão e muitos antes e, principalmente, depois dele. Por outro lado, por mais visível que sejamos, uma parte de nós ninguém vê. Nem mesmo nós. Neste sentido, somos invisíveis a nós mesmos e aos outros. É aí que os problemas se complicam. Como não vemos a nós mesmos? Por que os outros não nos veem? O que fazermos para nos notarem?
A literatura sempre foi o campo da invisibilidade. Ela é aquilo que nos torna invisível a nós e aos outros. Por trás das palavras e da folha em branco que as suporta, nós nos apagamos a cada escrita ou cada dígito. A folha em branco é o nosso manto de invisibilidade que se cobre de letras para confundir aqueles que insistem em nos ver. Nelas, somos realmente infinitos porque invisíveis.
Mas também a literatura, ao mesmo tempo que nos esconde, ela tem este poder de nos mostrar a nós mesmos, romper com o campo de invisibilidade que construímos para nós e que muitas vezes é impenetrável aos outros. Sentimos que nos descobrimos a cada palavra, a cada traço, a cada dígito a medida que os espaços em branco diminuem não em reflexo, mas em profundidade. A escrita, ao se sobrepor à folha, cria nela buracos pelos quais nos vemos em nosso infinita invisibilidade.
Como lidar com isto? Com a (in)visibilidade que a escrita nos dá? Ou, pensando um pouco no filme, quais as vantagens de ser (in)visível? É possível ser realmente (in)visível?
Deleuze escreveu em A literatura e a vida, no livro Crítica e Clínica, que
A escrita é inseparável de um devir: [que] ao escrever, estamos num devir-mulher, num devir-animal ou vegetal, num devir molécula, até num devir-imperceptível.Pensando nisto agora, é como se ao escrever, aos poucos, fôssemos realmente nos tornando invisível sem perceber em nosso devir, mas que, por outro lado, pudéssemos também nos ver como mulher, animal, vegetal, moléculas, em vários níveis, portanto. E, por mais que isto parecesse loucura, Deleuze nos adverte logo no prólogo do livro: A literatura é saúde. E diz, com maior veemência no texto adiante: o escritor, enquanto tal, não é doente, mas antes médico, médico de si próprio e do mundo.
Eis a vantagem da literatura, eis as vantagens de ser (in)visível através dela. Ela nos cura, dá-nos a saúde quando precisamos, como deram um dia a mim: Édipo Rei, de Sófocles, Hamlet, de Shakespeare, Fausto, de Goethe, e A mandrágora, de Maquiavel, a quem devo minha saúde hoje, e muitos outros, com certeza.
Aos meus amigos invisíveis, Ylo Barroso e Diana Pinto, onde quer que estejam.
Nenhum comentário: