Ser...

junho 17, 2012
Ser... Esta é a maior inquietação filosófica que existe. Uma inquietação puramente humana. E quando digo pura é porque ela se reveste de toda uma simbologia que a faz algo intocável aos menos afetos à filosofia, e mesmo aos filósofos, na maioria das vezes passando ao largo dela para não se entranharem em seu universo particular, a ontologia, a disciplina filosófica que estuda o ser, ou òn, como diziam os gregos. Contudo, ela é inevitável a qualquer pessoa em seu cotidiano.
Desde criança, somos acostumados pelos nossos pais a responder a pergunda "O que é?" e, pouco a pouco, lá estamos nós perguntando a todo tempo também "O que é?", introduzindo nela já algumas variações para o que está próximo (O que é isto?) ou distante (o que é aquilo?). É a filosofia já fazendo parte de nossas vidas, o que me faz lembrar as palavras Gramsci, de que todos somos filósofos, às quais não devem ser vistas como uma determinação natural, mas realmente sócio-cultural como foi o surgimento da filosofia em um determinado tempo. Pois, se somos filósofos desde ponto de vista sócio-cultural é porque somos acostumados desde criança a perguntar "O que é?", variando esta pergunta em relação não apenas aos "objetos", ou de um ponto de vista "objetivo", mas também em relação aos ditos "sujeitos", ou seja, "eu", "tu", "ele", "nós", "vós", "eles", a partir dos quais ela se torna "Quem é?"
Na passagem da pergunta o que é? para quem é?, podemos dizer que há uma perda e um ganho. Uma perda de objetividade e um ganho de uma subjetividade em mesma medida, já que, ao passarmos de uma a outra, há um distanciamento abissal inevitável do que é de um ponto de vista objetivo, por exemplo, um animal, um homem, um professor, em relação a quem é o animal, o homem, o professor... Um abismo que o poeta e ensaístas Octavio Paz parece ter resumido muito bem nas últimas palavras de seu ensaio A árvore da vida, sobre o texto La logique du vivant (Une histoire de l'hérédité), de François Jacob, no último texto de seu livro Convergências - ensaios sobre arte e literatura.
Para mim, a morte é a morte e a vida é a vida. Ruptura, dissonância, incomunicação, ironia: o universo nos apareceu como um sistema solar de correspondências e, de súbito, no centro, o sol enegrece. O texto se torna ilegível e há uma lacuna: o homem. O único ser que houve (ou acredita ouvir) o poema do universo, não se ouve nesse poema - a não ser como silêncio. (p. 240)
Há quem veja neste distanciamento abissal entre a objetividade e subjetividade, morte e vida, universo e homem, como diz Paz, uma antinomia (Kant) ou uma contradição (Hegel) dialética cuja síntese (aufklarung) ou superação (aufhebun) é uma identidade entre os opostos, isto é, o ser propriamente dito. Neste sentido, ser seria a síntese ou superação dialética de uma objetividade (da morte em sua frieza, do universo em suas correspondências ou do texto em sua legibilidade e sem lacunas, por exemplo, mas que já não são simples exemplos) por uma subjetividade (da vida em seu calor, do sol em seu enegrecimento ou do texto em sua ilegibilidade ou lacuna) e um retorno desta àquela reiniciando o processo.
Que seja assim o ser, isto é, um processo dialético de transformação da objetividade em subjetividade e desta naquela, o distanciamento continua abissal, pois, em nenhum momento deste processo, objetividade e subjetividade se encontram, e Octavio Paz estaria certo ao dizer que a morte é morte e a vida é a vida, pois não há nenhuma possibilidade de ligação, consonância, comunicação e literalidade entre elas. Contudo, como se dá dialeticamente este processo, ou seja, como acontece esta transformação, em suma, como passamos da simples pergunta o que é? em sua objetividade para a subjetividade da pergunta quem é?, e como nesta passagem ambas se opõem no processo, excluindo uma a outra, tornando mesmo abissal o distanciamento entre elas, é o que a filosofia contemporânea, francesa principalmente,  tenta entender, seja de um ponto de vista estruturalista (Foucault) ou pós-estruturalista (Deleuze e Derrida). Tarefa não muito fácil, pois, como entender esta metamorfose da pergunta o que é em quem é se o único ser que houve (ou acredita ouvir) o poema do universo, não se ouve nesse poema, a não ser como silêncio?

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