Brincadeira de criança


Acabo de ler a sugestão de um artigo enviada via Twitter por um amigo que fala sobre festas infantis que hoje em dia não são nada infantis segundo o autor do artigo, Bruno Astuto, intitulado Salve a imaginação do seu filho http://colunas.revistaepoca.globo.com/brunoastuto/2012/01/08/salve-a-imaginacao-do-seu-filho/. Enquanto lia este artigo, assim como enquanto escrevo esta postagem, meu filho vê Tico e Teco em meu computador, um PC que era um computador compacto antes dos tablet's da vida. Agora, ele grita, "papai, papai!" querendo que eu vá colocar mais um vídeo do Tico e Teco no You Tube... o que acabei de fazer. Detalhe, meu filho tem dois anos e meio e vive no mundo digital que o autor tanto condena como entorpecedor da imaginação infantil, a qual, segundo ele, não é mais motivada por aquelas brincadeiras de criança costumeiras em aniversários, como palhaços e companhia, nem mesmo pelos preparativos caseiros que todo pai fazia para a festa de seus pequeninos, substituídos por grandes decorações temáticas alugadas a um alto custo.


Como filósofo e pensador da educação, fico pensando em todos estes ditames relacionados à infância, e concordo com o autor que os meios eletrônicos pouco influenciam a imaginação infantil que se desenvolve quanto mais é carente, ao que parece. Neste sentido, lembro-me de uma exposição "Brincadeiros e Brincadeiras – O Brinquedo Tradicional e a Imaginação dos 4 Elementos" (2008),  de Gandhy Piorski, que vi no Centro Cultural Dragão do Mar em Fortaleza sobre brinquedos criados por crianças que tinha como mote a quádrupla obra de Bachelard sobre os quatro elementos e a imaginação: Água e os sonhos, A terra e os devaneios do repouso e A terra e os devaneios da vontade, A psicanálise do fogo e Ar e sonhos. Foi uma exposição belíssima onde podíamos perceber não apenas uma imaginação lúdica da infância, mas também criativa ao transformar a natureza em seu brinquedo utilizando, por exemplo, na parte da Terra, folhas de árvores como galinhas, o que fez minha esposa lembrar de sua época de criança no interior de Morada Nova, pois ela fazia o mesmo. Do mesmo jeito, ossos de galinhas verdadeiras viravam pequenos carrinhos a deslizar pela areia como se fossem naves futuristas, uma bela maneira de encarar a morte, diga-se de passagem. Havia também os famosos carros de latas de todos os tipos. Não, não me refiro a estes carrinhos feitos por artesãos, não. Havia deles, sim, mas me refiro a carrinhos feitos ao sapere (sabor/saber) do acaso com latas de refrigerantes e de sardinha. Na parte da água, vários barcos davam os tons bem e mal elaborados, no ar, as arraias ou pipas com seus coloridos, feitas de palha de coqueiro, linha Nº 10 e papel de seda. Por fim, a brincadeira da foto divulgação da exposição, relacionada ao fogo, costumeira nas festas infantis juninas que consiste em queimar um pedaço de lã de aço e girar, girar, girar, formando estes maravilhosos círculos de fogo! Peraí, brincadeira? Com fogo?


Pois é, criança não pode brincar com fogo se diz, mas nem sempre foi assim e não é ainda em alguns lugares e chegamos à questão desta postagem. Sempre vemos com maus olhos o que as crianças fazem e quanto mais olho para o meu filho penso no que ele faz independente de mim. Recentemente, olhava para ele brincando com o carro as rodas de trás quebrada e pensava: para ele o carro não estava quebrado sem rodas! Continuava sendo um carro e andava do mesmo jeito, se arrastando, mas andava, e ele fazia o som do carro funcionando. E todo carro parece que só funciona para ele quando está quebrado! Pois a primeira coisa que ele faz é quebrar o carro, obviamente sem querer, e, apesar da raiva, brincamos ao ver ele fazer isto pensando: lá vai mais um para o desmanche dele... E não deixo de filosofar: isto é pura máquina desejante, como dizem Deleuze e Guattari em O Anti-Édipo, no qual a máquina do desejo e do capitalismo só funciona quebrada e que não importa que falta algo, mas por justamente não importar se falta algo, pois o desejo para eles não é por algo ausente que se queria presente, mas independente do que falta, como o desejo de brincar.


Por isso mesmo não vejo com preocupação meu filho assistir o Tico e Teco, o Thomas, o Pocoyo, os Mecanimais e todos os outros vídeos infantis que gosta no You Tube. Não sinto sua imaginação tolhendo-se porque simplesmente ele sabe a hora de brincar. Seus carros estão sempre ali a sua mão. Quando não quer mais assistir, sai da cadeira em frente do computador e vai mover seus inertes carros sem rodas. Às vezes, ele empilha todos ou os põe em fileiras, move de um lugar para outro, joga do sofá ao chão conforme sua imaginação e se impacienta quando seus carros não fazem o que ele quer. Agora mesmo acaba de deixar de lado os desenhos e foi para sua pilha de desmanche... Assim são as crianças.

Não, não nos preocupemos. A imaginação das crianças não precisa ser salva por nós adultos, ela vive muito bem sem nós. Mas a nossa, sim, pois sempre imaginamos o pior das brincadeiras infantis de hoje pensando que o melhor são as nossas brincadeiras de criança. Se fosse sempre assim, aí, sim, era motivo para nos preocuparmos, afinal, deve ser sempre assim? A nossa imaginação que importa e não a da criança? Cada brincadeira tem sua história e sua cultura, como diz Walter Benjamin e deixemos as crianças construírem a delas como nós construímos a nossa, é o melhor que nós, como pais, podemos fazer por elas para não tolher sua imaginação.

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