Caos pra que te quero?
Em
seu artigo Como
as redes sociais criam o caos,
publicado n'O povo on-line
(http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2012/01/13/noticiasfortaleza,2469894/como-as-redes-sociais-criam-o-caos.shtml),
o jornalista e sociólogo Ricardo Moura faz uma análise sobre o
poder das redes sociais, em particular o Twitter, em terem criado o
Caos em Fortaleza durante dois dias da greve da PM do Ceará,
principalmente a partir da hashtag #CaosEmFortaleza, que figurou
entre os TT's nacionais durante estes dias.
Partindo
de um pressuposto de um "poder
linguagem possui para criar, modificar e manipular a realidade "
sua análise incide principalmente no ponto de que "No
vácuo de informações e declarações oficiais, alguns usuários
construÃram seu próprio discurso sobre o caos. "
e, com isso, "os fatos e as
versões se imbricaram de tal forma que não foi mais possÃvel
distinguir uma coisa da outra", isto
é, foi
criado (e
não se criou) o #CaosEmFortaleza. Sob este ponto de vista, Ricardo
Moura, diz ainda que tal "discurso", o dos "usuários",
não deve ser visto como o de um "mero agrupamento de
manifestações individuais", e que "talvez seja mais
fecundo pensar no #caosemfortaleza como um enunciado coletivo e
impessoal", fundamentando a partir daà toda sua análise
naquilo que Deleuze e Guattari denominam como agenciamento
coletivo de enunciação.
Logo após fazendo ele várias "demonstrações" de como
isto que Deleuze e Guattari denominam agenciamente coletivo de
enunciação se apresenta no #CaosEmFortaleza.
Ora,
tendo eu participado com meu humor irônico do #CaosEmFortaleza
em alguns momentos e leitor de Deleuze e Guattari confesso que fiquei
surpreso com a análise de Ricardo Moura, até porque o conheço e o
tenho em muita apreciação. Digo isto porque considero que ela
carece de muitos elementos que parecem ter sido esquecidos por ele,
não apenas no que diz respeito ao poder
da linguagem,
mas também no que diz respeito a Deleuze e Guattari, de modo que
resolvi escrever estas palavras.
Primeiramente,
sobre este poder da linguagem é preciso entender que se
ela cria, modifica e manipula a realidade,
deve-se considerar a linguagem como um todo, como uma totalidade, o
que não fez, o autor, ao priorizar o Twitter como criador de um
"sentimento de insegurança" nestes dias
de #CaosEmFortaleza, o que isto se deve claro ao seu objetivo
jornalÃstico, mais preocupado em provocar do se deter de modo mais
crÃtico no problema da linguagem e dos seus pressupostos materiais
ao dizer por exemplo, que "O material coletado está sendo
analisado, mas neste espaço proporemos algumas reflexões sobre tudo
que foi escrito ainda que a tÃtulo de provocações."
Algumas
questões, neste sentido, devem ser levantadas: por que considerar
que especificamente o Twitter criou #CaosEmFortaleza?
Justamente uma rede
social? E não
"o vácuo de informações e declarações oficiais",
inclusive, dos meios que fazem as vezes destas declarações
oficiais, os grandes meios de comunicação escrita e falada, só
para citar, O
Povo, Diário do Nordeste, G1?
E mais: por que considerar que o #CaosEmFortaleza foi
produzido pelas informações inverossÃmeis (isto é, não de acordo
com a realidade) dos "usuários" e não tanto ou mais pelos
apelos midiáticos dos programas Barra Pesada, 190 e outros
veiculados quase que o dia todo com jornalistas não simplesmente
mostrando a insegurança da
população,
mas deles mesmos a cada fala ofegante, cada grito de espanto?
É
preciso que tomemos isto em conta, para que entendamos como não
apenas devemos entender o poder da linguagem de modo particular, mas
também de modo geral, pois, priorizar um parte dela, é esquecer que
ela mesma, não pode ser "cortada" em seu fluxo sem que
este caminhe por outros meios. E, deste modo, considerar, a serviço
de quem, de modo pragmático, seu fluxo é conduzido e estancado num
"discurso oficial", também o das grandes imprensas que o
autor utiliza para divulgar e informar sua "palavra de ordem":
"Como as redes sociais criam o caos".
Ora,
sob este aspecto é fácil entendermos porque especificamente o
Twitter e não a imprensa oficial criou o #CaosEmFortaleza.
Porque somente ele o poderia criar, e não os meios oficiais, pois
estes estão sempre ao serviço do Governo, quer queiram, quer não,
e quando criticam, é sempre de modo "positivo", tentando
melhorar as coisas, pôr em ordem, ainda que aparente. Em suma, nunca
tem autonomia para se impôr ao ele, estão sempre a sua mercê, a
mercê de uma ordem e suas "manchetes jornalÃsticas" são
sempre um grito, um apelo ao "Senhor Governador", como fez
diversas vezes o apresentador jornalista do Barra Pesada, Tadeu
Nascimento, para que ele restabeleça a ordem. Mas não nos
enganemos, não apenas a imprensa oficial está a mercê desta ordem,
também as redes sociais, como pode ser percebido com o que o próprio
Ricardo informa no inÃcio do seu texto: "Tudo começou com uma
brincadeira. No dia 31 de dezembro, um usuário do Twitter cujo
perfil chama-se @felipe_reporter escreveu: “Capitão Nascimento já.
#CaosEmFortaleza”. Pouco tempo depois, outro perfil, @CNBOPE,
responde, também em tom de zombaria: “CHAMADO????”" Ora,
isto não é uma simples brincadeira, é o fluxo da linguagem tomando
novos rumos, não mais o da rede
social, mas
da rede
governamental.
A máquina
social, diriam
Deleuze e Guattari, tornando-se aparelho de Estado, deixando
de ser esquizofrênica para
ser paranóica.
Não,
isto não é uma contradição das máquinas sociais, como pensam
alguns, mas justamente seu movimento, o devir delas,
não histórico, mas geográfico, e que o Twitter, mas não apenas
ele, é o meio a
partir do qual os "usuários" se desterritorializam do
"território"do Estado, da lÃngua e da linguagem oficial
do Governo, da imprensa oficial. E que, obviamente, podem em sua
desterritorialização reclamar outro território, governado pelo
Cap. Nascimento ou o Cap. Wagner, como fez a imprensa oficial dias
após o fim da greve da PM e muitos também no Twitter. Obviamente,
não a este fim que se pretendem as máquinas sociais, nem o Twitter,
mas é o fim que é dado a ele em seu movimento, dependendo dos
Retweets e TT's. A questão é que não é preciso ter passado muito
tempo no #CaosEmFortaleza
para perceber que mais do que ao contrário de "discurso"
próprio, como disse Ricardo, os "usuários" estavam
desestabilizando o próprio discurso ordenador da linguagem, isto é,
justamente as "palavras de ordem", que são nada mais nada
menos do que discursos oficiais, regras gramaticais, mandos sempre em
favor de uma "ordem". Ora, não é preciso dizer que a
hashtag #CaosEmFortaleza em seu inÃcio apelava para uma
"ordem", ela se tornou em pouco tempo a manifestação da
"desordem" sob a qual se intitulou, isto
é, uma palavra
de desordem, da
desordem então instaurada em Fortaleza, o ato ou fato se
tornando fala.
Obviamente,
falar dos "usuários", esta massa informe é muito mais
fácil, para não dizer o contrário, do que falar dos nominados
jornalistas da grande imprensa, de modo que, ao se referir
aos usuários das
redes sociais, o autor tenta assim conter em seu discurso aquilo
mesmo que não pretende se conter em discurso nenhum, aquilo que
navega no vácuo
de informações e declarações oficiais,
que não se declara, mas se anonima, faz de si um nômade no deserto,
muitas vezes tomando miragens por realidade, obviamente. Sobretudo,
alguém que deve ser contido, não apenas em seu desespero, como
buscaram fazer os jornalistas no dia depois do #CaosEmFortaleza,
mas em seu poder de desordem, de modo que as palavras "O
material coletado está sendo analisado" de Ricardo, mais
parecem assim um informe policial do
que de um jornalista cientista sobre seu "material"
jornalÃstico cientÃfico. Ora, que todos são analisados em seus
Tweets, disto se sabe, pois eles são públicos a partir do momento
em que alguém segue ou é seguido por alguém, mas quem "segue"
as hashtag, não
segue ninguém,
isto é contradiz o próprio seguimento, se põe alheio a isto.
Querem seguir, se podemos dizer, uma multidão,
no caso, em questão, que não segue para lugar algum nem pretendem
chegar a um. Não tem fim, nem começo. Mas é preciso que se
perceba, que uma coisa é seguir uma multidão, como no caso do homem
da multidão,
de Alan Poe, outra, é querer fazer seguir uma multidão, como se
pretende no artigo, ao dizer que ela criou o #CaosEmFortaleza,
dar um fim a ela, e com que objetivo?
Tal
teleologismo, finalismo, é que é o "problema" às redes
sociais. Delas em si e fora de si. Isto porque se "em si" é
possÃvel que elas adquiram ora ou outra um fim, um telos, em geral,
estes são exteriores a ela, são seu "fora de si" que se
impõe sobre elas tentando governá-las de um modo ou de outro. Seria
justamente a passagem da sua esquizofrenia para sua paranóia, quando
o medo, o pânico, o desespero e a própria esquizofrenia (que não é
o "nome" de uma doença, mas de uma multiplicidade de
sintomas) passa ser analisada como "problema", algo que
deve ser contido, no que ela se torna paranóia, isto é, adquire um
fim, um telos, torna-se medo,
pânico, desespero por algo. No
caso em questão, pela ausência de ordem, da PM, do Governo do
Estado, de uma declaração do fim da greve pelo acordo de
ambos. O que isto somente demonstra o quanto a sociedade como diria
Foucault tornou-se disciplinar e
como diriam Deleuze, tornou-se de
controle, pois: "as sociedades
de controle operam por máquinas de uma terceira espécie, máquinas
de informática e computadores, cujo perigo passivo é a
interferência [do do aparelho de Estado] e, o ativo, a pirataria e a
introdução de vÃrus[das máquinas de guerra]. [E isto] Não é uma
evolução tecnológica sem ser, mais profundamente, uma mutação do
capitalismo." (Deleuze, G. Conversações,
p. 223.)
Como
parece perceber Ricardo ao fim de seu texto de modo por assim dizer
desconsolado:
"O
resultado disso, conforme Jacó, é uma sensação de pânico
generalizado e que se expressa em uma conduta antecipada diante da
possibilidade do perigo. A expansão do mercado de segurança privada
é uma mostra de uma sociedade impregnada pelo medo. É nesse terreno
fértil que boatos, imagens falsas e linchamentos virtuais como os
que ocorreram no #caosemfortaleza ganham forma e existência própria.
O caos não foi produzido do nada. Ele estava presente em nossas
cabeças o tempo todo. "
Alguém
nega que o caos está presente na cabeça o tempo todo? E não
simplesmente pela hashtag #caosemfortaleza?
E se foi por algum meio que se criou, talvez fosse mais pela mÃdia
oficial com suas "reportagens policiais" do que pelo
"microblog" cotidianamente? e quem propaga mais boatos do
que a imprensa oficial? Quem se interessa tanto por sangue do que os
"jornais populares" como diria Tom Zé em sua música
"Parque Industrial":
E
tem jornal popular que
Nunca se
espreme
Porque pode derramar.
Porque pode derramar.
É um
banco de sangue encadernado
Já vem pronto e tabelado,
É somente folhear e usar,
Já vem pronto e tabelado,
É somente folhear e usar,
É
somente folhear e usar."
Por
fim, algumas palavras de Deleuze e Guattari, em O
que é filosofia? sobre o
"caos", que não é negativo, problemático, mas, como para
os Gregos, é criador,
criativo, e, por isso, sempre combatido pelas "opiniões
prontas" que, com suas palavras de ordem, buscam "formar
uma opinião, como uma espécie de
'guarda-sol' que nos protege do caos", dizem eles. Formadores
de opinião, assim se intitulam os
jornalistas, mas qualquer um também que faz as vezes deles, ao
contrário, do que parecem ser os usuários do #caosemfortaleza,
por assim dizer, os deformadores
de opinião.
"Pedimos
somente um pouco de ordem para nos proteger do caos. Nada é mais
doloroso, mais angustiante do que um pensamento que escapa a si
mesmo, ideias que fogem, que desaparecem apenas esboçadas, já
corroÃdas pelo esquecimento ou precipitadas em outras, que também
não dominamos. São variabilidades infinitas cuja
desaparição e aparição coincidem. São velocidades infinitas, que
se confundem com a imobilidade do nada incolor e silencioso que
percorrem, sem natureza nem pensamento. É o instante que não
sabemos se é longo demais ou curto demais para o tempo. Recebemos
chicotadas que latem como artérias. Perdemos sem cessar nossas
ideias. É por isso que queremos tanto agarrarmo-nos a opiniões
prontas. Pedimos somente que nossas ideias se encadeiem segundo um
mÃnimo de regras constantes, e a associação de ideias jamais teve
outro sentido: fornecer-nos regras protetoras, semelhança,
contiguidade, causalidade, que nos permitem colocar um pouco de ordem
nas ideias, passar de uma a outra segundo uma ordem do espaço e
tempo, impedindo nossa "fantasia" (o delÃrio, a loucura)
de percorrer o universo no instante, para engendrar nele cavalos
alados e dragões de fogo. (p. 259)
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