Caos pra que te quero?

janeiro 14, 2012

Em seu artigo Como as redes sociais criam o caos, publicado n'O povo on-line (http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2012/01/13/noticiasfortaleza,2469894/como-as-redes-sociais-criam-o-caos.shtml), o jornalista e sociólogo Ricardo Moura faz uma análise sobre o poder das redes sociais, em particular o Twitter, em terem criado o Caos em Fortaleza durante dois dias da greve da PM do Ceará, principalmente a partir da hashtag #CaosEmFortaleza, que figurou entre os TT's nacionais durante estes dias.

Partindo de um pressuposto de um "poder linguagem possui para criar, modificar e manipular a realidade " sua análise incide principalmente no ponto de que "No vácuo de informações e declarações oficiais, alguns usuários construíram seu próprio discurso sobre o caos. " e, com isso, "os fatos e as versões se imbricaram de tal forma que não foi mais possível distinguir uma coisa da outra", isto é, foi criado (e não se criou) o #CaosEmFortaleza. Sob este ponto de vista, Ricardo Moura, diz ainda que tal "discurso", o dos "usuários", não deve ser visto como o de um "mero agrupamento de manifestações individuais", e que "talvez seja mais fecundo pensar no #caosemfortaleza como um enunciado coletivo e impessoal", fundamentando a partir daí toda sua análise naquilo que Deleuze e Guattari denominam como agenciamento coletivo de enunciação. Logo após fazendo ele várias "demonstrações" de como isto que Deleuze e Guattari denominam agenciamente coletivo de enunciação se apresenta no #CaosEmFortaleza.

Ora, tendo eu participado com meu humor irônico do #CaosEmFortaleza em alguns momentos e leitor de Deleuze e Guattari confesso que fiquei surpreso com a análise de Ricardo Moura, até porque o conheço e o tenho em muita apreciação. Digo isto porque considero que ela carece de muitos elementos que parecem ter sido esquecidos por ele, não apenas no que diz respeito ao poder da linguagem, mas também no que diz respeito a Deleuze e Guattari, de modo que resolvi escrever estas palavras.

Primeiramente, sobre este poder da linguagem é preciso entender que se ela cria, modifica e manipula a realidade, deve-se considerar a linguagem como um todo, como uma totalidade, o que não fez, o autor, ao priorizar o Twitter como criador de um "sentimento de insegurança" nestes dias de #CaosEmFortaleza, o que isto se deve claro ao seu objetivo jornalístico, mais preocupado em provocar do se deter de modo mais crítico no problema da linguagem e dos seus pressupostos materiais ao dizer por exemplo, que "O material coletado está sendo analisado, mas neste espaço proporemos algumas reflexões sobre tudo que foi escrito ainda que a título de provocações." 

Algumas questões, neste sentido, devem ser levantadas: por que considerar que especificamente o Twitter criou #CaosEmFortaleza? Justamente uma rede social? E não "o vácuo de informações e declarações oficiais", inclusive, dos meios que fazem as vezes destas declarações oficiais, os grandes meios de comunicação escrita e falada, só para citar, O Povo, Diário do Nordeste, G1? E mais: por que considerar que o #CaosEmFortaleza foi produzido pelas informações inverossímeis (isto é, não de acordo com a realidade) dos "usuários" e não tanto ou mais pelos apelos midiáticos dos programas Barra Pesada, 190 e outros veiculados quase que o dia todo com jornalistas não simplesmente mostrando a insegurança da população, mas deles mesmos a cada fala ofegante, cada grito de espanto?

É preciso que tomemos isto em conta, para que entendamos como não apenas devemos entender o poder da linguagem de modo particular, mas também de modo geral, pois, priorizar um parte dela, é esquecer que ela mesma, não pode ser "cortada" em seu fluxo sem que este caminhe por outros meios. E, deste modo, considerar, a serviço de quem, de modo pragmático, seu fluxo é conduzido e estancado num "discurso oficial", também o das grandes imprensas que o autor utiliza para divulgar e informar sua "palavra de ordem": "Como as redes sociais criam o caos".

Ora, sob este aspecto é fácil entendermos porque especificamente o Twitter e não a imprensa oficial criou o #CaosEmFortaleza. Porque somente ele o poderia criar, e não os meios oficiais, pois estes estão sempre ao serviço do Governo, quer queiram, quer não, e quando criticam, é sempre de modo "positivo", tentando melhorar as coisas, pôr em ordem, ainda que aparente. Em suma, nunca tem autonomia para se impôr ao ele, estão sempre a sua mercê, a mercê de uma ordem e suas "manchetes jornalísticas" são sempre um grito, um apelo ao "Senhor Governador", como fez diversas vezes o apresentador jornalista do Barra Pesada, Tadeu Nascimento, para que ele restabeleça a ordem. Mas não nos enganemos, não apenas a imprensa oficial está a mercê desta ordem, também as redes sociais, como pode ser percebido com o que o próprio Ricardo informa no início do seu texto: "Tudo começou com uma brincadeira. No dia 31 de dezembro, um usuário do Twitter cujo perfil chama-se @felipe_reporter escreveu: “Capitão Nascimento já. #CaosEmFortaleza”. Pouco tempo depois, outro perfil, @CNBOPE, responde, também em tom de zombaria: “CHAMADO????”" Ora, isto não é uma simples brincadeira, é o fluxo da linguagem tomando novos rumos, não mais o da rede social, mas da rede governamental. A máquina social, diriam Deleuze e Guattari, tornando-se aparelho de Estadodeixando de ser esquizofrênica para ser paranóica.

Não, isto não é uma contradição das máquinas sociais, como pensam alguns, mas justamente seu movimento, o devir delas, não histórico, mas geográfico, e que o Twitter, mas não apenas ele, é o meio a partir do qual os "usuários" se desterritorializam do "território"do Estado, da língua e da linguagem oficial do Governo, da imprensa oficial. E que, obviamente, podem em sua desterritorialização reclamar outro território, governado pelo Cap. Nascimento ou o Cap. Wagner, como fez a imprensa oficial dias após o fim da greve da PM e muitos também no Twitter. Obviamente, não a este fim que se pretendem as máquinas sociais, nem o Twitter, mas é o fim que é dado a ele em seu movimento, dependendo dos Retweets e TT's. A questão é que não é preciso ter passado muito tempo no #CaosEmFortaleza para perceber que mais do que ao contrário de "discurso" próprio, como disse Ricardo, os "usuários" estavam desestabilizando o próprio discurso ordenador da linguagem, isto é, justamente as "palavras de ordem", que são nada mais nada menos do que discursos oficiais, regras gramaticais, mandos sempre em favor de uma "ordem". Ora, não é preciso dizer que a hashtag #CaosEmFortaleza em seu início apelava para uma "ordem", ela se tornou em pouco tempo a manifestação da "desordem" sob a qual se intitulouisto é, uma palavra de desordem, da desordem então instaurada em Fortaleza, o ato ou fato se tornando fala.

Obviamente, falar dos "usuários", esta massa informe é muito mais fácil, para não dizer o contrário, do que falar dos nominados jornalistas da grande imprensa, de modo que, ao se referir aos usuários das redes sociais, o autor tenta assim conter em seu discurso aquilo mesmo que não pretende se conter em discurso nenhum, aquilo que navega no vácuo de informações e declarações oficiais, que não se declara, mas se anonima, faz de si um nômade no deserto, muitas vezes tomando miragens por realidade, obviamente. Sobretudo, alguém que deve ser contido, não apenas em seu desespero, como buscaram fazer os jornalistas no dia depois do #CaosEmFortaleza, mas em seu poder de desordem, de modo que as palavras "O material coletado está sendo analisado" de Ricardo, mais parecem assim um informe policial do que de um jornalista cientista sobre seu "material" jornalístico científico. Ora, que todos são analisados em seus Tweets, disto se sabe, pois eles são públicos a partir do momento em que alguém segue ou é seguido por alguém, mas quem "segue" as hashtag, não segue ninguém, isto é contradiz o próprio seguimento, se põe alheio a isto. Querem seguir, se podemos dizer, uma multidão, no caso, em questão, que não segue para lugar algum nem pretendem chegar a um. Não tem fim, nem começo. Mas é preciso que se perceba, que uma coisa é seguir uma multidão, como no caso do homem da multidão, de Alan Poe, outra, é querer fazer seguir uma multidão, como se pretende no artigo, ao dizer que ela criou o #CaosEmFortaleza, dar um fim a ela, e com que objetivo?

Tal teleologismo, finalismo, é que é o "problema" às redes sociais. Delas em si e fora de si. Isto porque se "em si" é possível que elas adquiram ora ou outra um fim, um telos, em geral, estes são exteriores a ela, são seu "fora de si" que se impõe sobre elas tentando governá-las de um modo ou de outro. Seria justamente a passagem da sua esquizofrenia para sua paranóia, quando o medo, o pânico, o desespero e a própria esquizofrenia (que não é o "nome" de uma doença, mas de uma multiplicidade de sintomas) passa ser analisada como "problema", algo que deve ser contido, no que ela se torna paranóia, isto é, adquire um fim, um telos, torna-se medo, pânico, desespero por algo. No caso em questão, pela ausência de ordem, da PM, do Governo do Estado, de uma declaração do fim da greve pelo acordo de ambos. O que isto somente demonstra o quanto a sociedade como diria Foucault tornou-se disciplinar e como diriam Deleuze, tornou-se de controle, pois: "as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie, máquinas de informática e computadores, cujo perigo passivo é a interferência [do do aparelho de Estado] e, o ativo, a pirataria e a introdução de vírus[das máquinas de guerra]. [E isto] Não é uma evolução tecnológica sem ser, mais profundamente, uma mutação do capitalismo." (Deleuze, G. Conversações, p. 223.)

Como parece perceber Ricardo ao fim de seu texto de modo por assim dizer desconsolado:

"O resultado disso, conforme Jacó, é uma sensação de pânico generalizado e que se expressa em uma conduta antecipada diante da possibilidade do perigo. A expansão do mercado de segurança privada é uma mostra de uma sociedade impregnada pelo medo. É nesse terreno fértil que boatos, imagens falsas e linchamentos virtuais como os que ocorreram no #caosemfortaleza ganham forma e existência própria. O caos não foi produzido do nada. Ele estava presente em nossas cabeças o tempo todo. "

Alguém nega que o caos está presente na cabeça o tempo todo? E não simplesmente pela hashtag #caosemfortaleza? E se foi por algum meio que se criou, talvez fosse mais pela mídia oficial com suas "reportagens policiais" do que pelo "microblog" cotidianamente? e quem propaga mais boatos do que a imprensa oficial? Quem se interessa tanto por sangue do que os "jornais populares" como diria Tom Zé em sua música "Parque Industrial":

E tem jornal popular que
Nunca se espreme
Porque pode derramar.
É um banco de sangue encadernado
Já vem pronto e tabelado,
É somente folhear e usar,
É somente folhear e usar." 

Por fim, algumas palavras de Deleuze e Guattari, em O que é filosofia? sobre o "caos", que não é negativo, problemático, mas, como para os Gregos, é criador, criativo, e, por isso, sempre combatido pelas "opiniões prontas" que, com suas palavras de ordem, buscam "formar uma opinião, como uma espécie de 'guarda-sol' que nos protege do caos", dizem eles. Formadores de opinião, assim se intitulam os jornalistas, mas qualquer um também que faz as vezes deles, ao contrário, do que parecem ser os usuários do #caosemfortaleza, por assim dizer, os deformadores de opinião.

"Pedimos somente um pouco de ordem para nos proteger do caos. Nada é mais doloroso, mais angustiante do que um pensamento que escapa a si mesmo, ideias que fogem, que desaparecem apenas esboçadas, já corroídas pelo esquecimento ou precipitadas em outras, que também não dominamos. São variabilidades infinitas cuja desaparição e aparição coincidem. São velocidades infinitas, que se confundem com a imobilidade do nada incolor e silencioso que percorrem, sem natureza nem pensamento. É o instante que não sabemos se é longo demais ou curto demais para o tempo. Recebemos chicotadas que latem como artérias. Perdemos sem cessar nossas ideias. É por isso que queremos tanto agarrarmo-nos a opiniões prontas. Pedimos somente que nossas ideias se encadeiem segundo um mínimo de regras constantes, e a associação de ideias jamais teve outro sentido: fornecer-nos regras protetoras, semelhança, contiguidade, causalidade, que nos permitem colocar um pouco de ordem nas ideias, passar de uma a outra segundo uma ordem do espaço e tempo, impedindo nossa "fantasia" (o delírio, a loucura) de percorrer o universo no instante, para engendrar nele cavalos alados e dragões de fogo. (p. 259)

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