Educação e punição

Uma frase atribuída a Pitágoras de Samos, filósofo grego do século VI-V a.C, diz o seguinte: "Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos." Apesar dele demonstrar nestra frase a contradição entre educação e punição muitos educadores ainda preferem se deter na sonoridade destas palavras encontrando consonâncias entre elas fazendo da educação uma punição e vice-versa.

Ver a educação como punição não é algo novo, mas o mais tradicional pensamento sobre a educação. É a educação tal como é pensada a partir da tradição que se alimenta de quilos e quilos de medo e que se impõe através da punição sobre aqueles que educa. Tal pedagogia tradicional é a ainda a pedagogia familiar que, na ausência de saber como corrigir os erros de seus filhos, prefere puni-los fazendo da força o que lhes dá poder sobre eles, o mesmo acontecendo na pedagogia popular, entre diversos indivíduos no cotidiano, quando um tenta se impor pela força para corrigir os erros dos outros.

Que muitos educadores pensem desta forma não é algo estranho, pois ela tem milhares de anos e todos fazemos parte de uma tradição que sempre puniu os erros como forma de educar, como sendo a educação propriamente dita. Em seu livro, Vigiar e punir, Michel Foucault mostrou muito bem como a punição como educação se constitui como o poder do soberano nos fins da Idade Média e como a punição, na modernidade, apesar de amena, se tornou uma educação dos corpos em diversos lugares da sociedade a partir de uma disciplina como biopolítica. Neste caso, como uma educação não entendida apenas como escolar, mas como educação na fábrica, na caserna, nos hospitais e em qualquer lugar no qual uma multidão de corpos se juntem e precisem ser disciplinados. Curiosamente, ainda na modernidade, aquele a quem mais se atribui a ideia de disciplina na educação, no caso a Imanuel Kant em seu livro Sobre a pedagogia, foi justamente quem pensou a diferença entre educação e adestramento na medida em que aquela tem em vista a liberdade humana, ainda que dentro dos limites de sua possibilidade de conhecimento, fazendo da disciplina uma liberdade. Disciplina, neste caso, como necessária ao conhecimento como método de aprendizagem e não como forma de poder como ela se constitui e se constitui ainda na educação escolar e alhures como demonstrou Foucault.

Ao contrário do dito pitagórico, eis que a punição passou a ser o princípio da educação e vista como aquilo que permite ao indivíduo a sua existência social, subjetiva e objetivamente, pois quanto mais disciplinado ele é, mais ele é aceito na sociedade. Isto pelo menos até que a punição fosse vista como aquilo que ela sempre foi, o contrário da educação, e que a disciplina como educação fosse vista como algo que apenas pune o indivíduo sem corrigir seus erros, adestrando-o para que não os repita, como se o erro fosse uma problema para a educação e não algo inerente a ela. Pois diante de uma punição que educa e de uma educação que pune, tanto Kant como Foucault mostraram como educação e punição apesar de rimadas constantemente na sociedade são princípios contrários, mesmo que ainda dentro de seus limites de conhecimento. E, principalmente, Gilles Deleuze, em seu texto Post-scriptum sobre as sociedades de controle demonstrou como atualmente acontece uma transição da sociedade disciplinar analisada por Foucault para uma sociedade de controle e, consequentemente, como educação e punição não são mais consonantes como muitos ainda pensam, pois os erros que antes eram intoleráveis no processo educativo e merecedores de punição constante agora são necessários ser corrigidos em vez de punidos com adestramento ou disciplina.

Contudo, o que se coloca nas sociedades de controle do ponto de vista da educação ainda é uma questão é controversa, pois o que se coloca para muitos é que o controle é uma extensão da disciplina e, por sua vez, da punição que ela pressupõe. Isto é, que o controle é uma forma de melhor analisar e vigir os erros dos indivíduos para, então, discipliná-los e puni-los, como o antigo panóptico de Bentham que Foucault analisa em relação à prisão que muitos também rimam com educação. O que, neste caso, as tecnologias de informação e comunicação criadas atualmente seriam a melhor forma de demonstração desta vigilância de dados que uma sociedade de controle produz sobre os indivíduos, controlando sua subjetividade.

Mas as tecnologias, como coloca Walter Benjamin em seu texto Sobre a crítica da violência e do poder, são um meio puro de não-violência e não-poder na medida em que possibilitam uma compreensão mútua a partir da linguagem. Além disso, a tecnologia de informação e comunicação, no caso, pressupõe uma criatividade e aprendizagem constante que constitui uma das características importantes destacada por Deleuze em relação à sociedade de controle que exige uma formação contínua de todos na sociedade, seja para saber manusear as novas tecnologias da informação e comunicação, seja para se integrar às perspectivas sociais que se abrem a partir delas, ou ainda, para dominar as tecnologias como novos meios de produção econômica e social independente de uma obrigação ou punição. E é justamente esta perspectiva de uma educação constante que rompe com a lógica que encerra a educação na punição, pois diferente do que acontece na educação tradicional na qual os erros são punidos e cada vez mais punidos quanto maiores eles forem, com palmadas e palmatórias, na educação atual pautada nas novas tecnologias da informação e comunicação, os erros são corrigidos constantemente como falhas do sistema que muitas vezes são requeridas que sejam descobertas para que o sistema funcione melhor.

Esta forma de educar, que é senão a da educação enquanto educação e não como punição, é muito bem representada pelas empresas de tecnologias que incentivam e pagam diversas pessoas para descobrirem falhas no seu sistema de modo que elas corrijam seus erros aprendendo assim cada vez mais sobre o que devem fazer para manter o sistema em funcionamento. Obviamente, o interesse destas empresas é obter o máximo de lucro garantindo cada vez mais a proteção dos dados de seus clientes passando a eles a confiabilidade necessária para que se mantenham fiéis a cada uma delas. Porém, corrigir constantemente os seus erros, muitas vezes não previstos ou vistos como acertos, é tudo que qualquer pessoa faz ao se educar durante sua vida ou deve fazer, aprendendo cada vez mais como corrigir os erros através da vida que também ensina como diz o adágio popular.

Educar para a vida é o que pretendem muitos educadores, porém, a vida que eles veem, mesmo no adágio acima, é apenas uma vida de sofrimento donde brota a necessidade de punição como educação para demonstrar a todos que a vidae é senão sofrimento e que eles devem aprender isto a cada momento em que errem. Mas o adágio popular assim como as novas tecnologias da informação e comunicação ensinam que os erros que cometemos podem ser corrigidos de alguma forma sem que soframos ou sejamos punidos, que o aprendizado e conhecimento adquirido ao longo da vida como educação não deve ser uma tristeza infinita e, sim, que pode e deve ser uma alegria infinita enquanto dure.

Enfim, que a punição vista como educação somente leva a uma diminuição do ser humano ao ponto de que ele já não possa mais se educar, somente se revoltar contra tudo que lhe pretende aprisionar, buscando a liberdade pela violência e poder pensando cada vez mais a educação uma punição pois não se vê nela a liberdade que pode possibilitar que é a do próprio entendimento de si mesmo e de todos entre si numa compreensão mútua como seres humano e de que os erros que são corrigidos com medo da punição nunca libertam o ser humano, apenas o apriosionam cada vez mais no medo, em si mesmo e em relação aos outros, conforme quer a tradição educacional cantada tão bem por Tom Zé em sua música Senhor cidadão.



Nenhum comentário:

Tecnologia do Blogger.