É pau, é pedra, é o fim do caminho...

dezembro 01, 2015
É incrível como as músicas que fizeram época nas décadas de 60 ao início de 90, e talvez antes destas, são atuais em sua retratação do país e da indignação que acontece com ele ao ponto de muitas poderem facilmente ser ouvidas como uma crônica cruel de nossos dias atuais. Mais incrível ainda é constatar que nenhuma das músicas atuais demonstram tamanha percepção da realidade que vivemos hoje tal como as músicas daquela época representam o que demonstra claramente como uma alienação total tem regido a vida não apenas política, mas também cultural do Brasil.

Não importava se era Bossa Nova, Tropicalismo, Pop Rock Nacional, Samba, Sertanejo ou Forró de pé de serra ou outra nomenclatura esquecida aqui dos estilos musicais naquela época, todas elas representavam um país cheio de fraturas regionais, com anseios diferentes, mas sempre retratando uma realidade tão triste como esperançosa existencial, social e politicamente. Não canso de me espantar ao ouvir e a lembrar de músicas deste tempo cantada por cantores que não tem a popularidade que muitos têm hoje, mas eram não menos "populares" em suas músicas ouvidas e cantadas com uma força de ânimo mesmo quando saíam da voz cadenciada de João Gilberto cantando Pra que discutir com madame, numa ode ao combate ao preconceito de classe, de cor e cultural. Músicas que embalavam "festivais" que nunca serão comparáveis aos atuais, tamanha a disparidade dos atuais em relação aos daquela época. Festivais que eram sobretudo momentos em que toda a vivência social e política da época era vivida num único tom, num único verso, numa única música que não fazia sucesso pelo rosto bonito de um cantor ou pela sensualidade de uma cantora, mas pelo que cantava de tragédia, de esperança ou de crítica que fazia à vida presente de cada um.

Difícil ouvir Geraldo Vandré cantando Vem, vamos embora, que esperar não é saber e não sentir todo o afã de um momento compartilhado por todos e em relação ao qual todos esperavam mudanças. Difícil não ouvir na boca de Zé Ramalho um triste retrato de nossos tempos ao cantar Admirável Gado Novo numa clara ressonância do romance de Aldous Huxley e da cultura beatnik em nossos ouvidos, quando a música cantava a literatura e se confundia com ela ao ponto de uma grande discussão existir se as letras de música são ou não poesia, devem ou não serem vistas como literatura. E mais difícil ainda não constatar a admirável precisão que os ficcionistas têm da realidade que hoje "O povo foge da ignorância/Apesar de viver tão perto dela" como Zé Ramalho cantou.

Inumeráveis são as músicas que retrataram esteticamente o país em suas dores mais profundas, mesmo quando cantavam alegremente como quando Luiz Gonzaga canta A vida de um viajante e todo seu lamento se torna o nosso de andarmos sem saber pra onde, desbravando sertões em seu coração e no nosso também na esperança de descansar feliz. Ouvir e cantar estas músicas nos fazem reviver uma época em que a música afugentava nossos temores de um tempo sombrio e nos projetavam num futuro a partir de um presente no qual quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Um tempo que se rói de inveja tentando saber como morremos de amor para tentar reviver com todas as dores que sentimos cantadas por Nana Caymmi e outros docemente.

As músicas sempre fazem parte da vida cultural de um povo, mas enquanto algumas delas fazem o povo se divertir sem pensar em sua vida, outras fazem ele pensar no que há em sua vida de errado e quererem mudar. Muitos são os que cantam este país ainda com a glória de olhá-lo com os olhos de antanho, não revivendo um passado, mas pensando o nosso presente e nosso futuro como antes era pensado, seja individualmente em nossas dores na alma, existenciais, seja em nossas dores coletivas, sociais e políticas. Contudo, muito mais ainda são os que cantam para esquecer seus males sociais e outros esquecerem os seus, vivendo uma alienação em relação à época em que vive e tudo que há de errado nela.

O fato de não ouvirmos nas vozes dos mais populares cantores "pop" de hoje em dia as dores existenciais, sociais e políticas de nosso país, mas lamentos infantis por amores perdidos que o brega mais sofrido consegue ser melhor em sua representação da dor mesmo com todo o estigma que há nele, só demonstra como esquecemos que a cultura de um povo não apenas lhe representa, mas lhe molda o ser e que os moldes da cultura brasileira hoje em dia são os moldes de uma opressão que também as músicas representam alienando a vida de muitos sem fazer com que percebam que o que há em nossa frente, é pau, é pedra, é o fim do caminho... Mas não são os das Águas de março anunciando o verão cantadas com a alma jopliana de Elis Regina na qual cada verso canta o fim, mas também a promessa de vida que esperamos sempre em nossos corações.

Uma esperança que é a de que A banda passe novamente em nossas vidas cantando coisas de amor, como cantou Chico Buarque, pois Há tempos que ela não passa, pois com cada qual no seu canto/ Em cada canto uma dor não é possível vivermos felizes mesmo que se possa cantar Pro dia nascer feliz diante de toda a indignação e indagação de Que país é este? constatando que, em boa parte, a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerante, ou de cerveja, e que muitos querem viver cantando não suas dores, mas a dor dos outros esquecidos nas baladas da vida.

Por fim, nada melhor do que Gonzaguinha cantando a alegria de ser um eterno aprendiz perguntando-se sempre como filósofo, O que é, o que é? apesar da resposta ser sempre a mesma, a vida, em sua Metamorfose ambulante.

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