Eu, eu, eu...
Muitas pessoas adoram afirmar o que são. Por hábito e por crença como dizia Hume, mas também por desejo como afirmaram Deleuze e Guattari, isto é, porque querem ser assim. Um ciclo que pode se tornar vicioso na medida em que o que são é mais importante do que o que podem ser.
Há um regozijo absurdo quando elas dizem o que são: “eu sou assim, eu sou assado...”, e é como uma verdade inevitável que elas se apresentam a todos em sua volta, um axioma que não pode ser questionado sob o risco óbvio de que elas deixem de ser o que é. Elas são, neste sentido, o que acreditam ser e não o que podem ser. Seu desejo de ser afirma-se como uma necessidade e há, senão, uma necessidade de se afirmarem como tais. Não importa de que modo seja, pois a existência não se limita a classe social, religião, sexo, gênero, etnia e raça, tão pouco não sendo nenhuma destas juntas.
Há um regozijo absurdo quando elas dizem o que são: “eu sou assim, eu sou assado...”, e é como uma verdade inevitável que elas se apresentam a todos em sua volta, um axioma que não pode ser questionado sob o risco óbvio de que elas deixem de ser o que é. Elas são, neste sentido, o que acreditam ser e não o que podem ser. Seu desejo de ser afirma-se como uma necessidade e há, senão, uma necessidade de se afirmarem como tais. Não importa de que modo seja, pois a existência não se limita a classe social, religião, sexo, gênero, etnia e raça, tão pouco não sendo nenhuma destas juntas.
Outras pessoas, talvez se diga, não gostam de se afirmar, de dizer eu sou assim, eu sou assado. Fazem tanta autocrÃtica que não adquirem o hábito, a crença, o desejo da afirmação de si mesmo, de dizer eu. Isto, porém, não é o contrário do que se afirmou anteriormente, nem uma exceção. Também elas gostam de afirmar o que são, tem o hábito, a crença, o desejo de serem quem são, mas sua afirmação se demonstra negativamente, no que elas dizem não serem. Questão de linguagem e de lógica, mas não de existência, que permanece existindo independente disto também e que não se limita aos discursos de classe social, religião, sexo, gênero...
Em ambos os casos, o problema é, por assim dizer, platônico. Não no que diz respeito ao amor em demasia da pessoa em relação a si mesma como uma Ideia, por si só inalcançável, a não ser depois da morte, mas por esta Ideia que ela faz de si mesma. O problema é que a Ideia que fazem de si sendo verdadeira é também para eles o bem, como pensava Platão. Isto é, por a Ideia ser a verdade é ela também o bem, não apenas algo lógico de ser, no caso, ser a si mesmo, mas o que se deve ser tendo em vista o bem, obviamente, de si mesmo.
Ao se dizerem assim ou assado, as pessoas, portanto, não apenas são o que são, mas são o que acreditam ser e se habituam a ser assim, no mais das vezes, por desejo. Têm uma ideia do que são e isto se torna uma verdade e o bem para elas ao ponto de que ninguém pode questioná-las, nem elas mesmas, apesar de toda e qualquer autocrÃtica que façam. Mas se engana quem pensa que isto é coisa de fanático religioso ou étnico-racial, que isto é uma ideologia polÃtica, apesar de isto ser uma derivação clara.
Esse modo de ser acontece nas pequenas coisas da vida, coisas simples do cotidiano como percebe ou devia perceber qualquer um em relação ao outro: seu filho, sua mulher, seu empregado, seu qualquer um, onde o seu não é por acaso aqui, já que o outro é para aquele que se autoafirma uma propriedade, algo a partir do qual se demonstra o poder do eu, de si mesmo, ao se afirmar não apenas que é assim, mas que pode ser assim, pois o poder não é algo que se conquista, tão pouco a relação contraditória, aleatória ou aliatória estabelecida para se conquistar algo. O poder não é algo que se tem ou se pode ter, do contrário, nenhum rei seria deposto. O poder é algo que se demonstra, é produzido pelo eu na medida em que ele se afirma demonstrando a si mesmo a partir de um eu posso.
São infindáveis as formas de demonstração de poder que as pessoas criam no seu cotidiano em suas relações. Basta ver os modismos e comodismos de cada um que se busca impor ao outros a cada vez que se diz eu sou assim, eu sou assado, quase como um mantra a ser dito de vez em quando para que tudo fique bem, em ordem, como aquele que diz eu quer que seja: faça isto, faça aquilo numa infindável rede em que as ações dos outros são enlaçadas por uma lógica egoÃsta que tudo prende e nada diferencia em sua mesmidão eterna.
De minha parte, para não fugir a esta regra, eu não gosto que me digam que sou assim ou assado. Detesto e tenho ódio visceral de quem me diz quem eu sou como se soubesse mais do que eu mesmo que vivo a minha vida desde quando nasci, vim a existir neste mundo. Sei muito bem quem sou, sei que sou assim e não assado, mas não limito a minha existência às ações fazendo delas um hábito, uma crença, um desejo inexorável de que se repitam em mim e nos outros. Por isto, quando alguém me diz que sou assim ou assado, gosto sempre de corrigir: eu fui assim, eu fui assado, o que não quer dizer que eu serei assim sempre do modo ideal que muitos imaginam, para o bem ou para o mal.
Dizer eu fui, para mim, neste caso, faz muita diferença, pois não limita minha existência a algo que é o bem sem se olhar a quem. E é isto que muitas vezes não percebemos ao dizer eu sou: que falamos sempre de nós como mesmos, no presente como algo infindável, não modificável a qualquer momento, e que, se devemos nos tornar aquilo que acreditamos ser o melhor para nós e para os outros, não podemos acreditar que isto é para sempre, que o que somos neste exato momento é o que é e pronto, fim da história.
Parece óbvio o que é dito aqui, pois nada mais óbvio do que dizer eu sou. Mas, neste caso, a obviedade não é a solução, é o problema. Todos sabem quem são, que são assim, seja lá de que modo for, mas não se pensa nisto antes e do depois de dizer que é deste ou daquele modo, se é necessário que seja deste modo, se o hábito de dizer eu sou assim e assado não se tornou um vÃcio, algo que se repete como um hábito, algo que se acredita que é bom para si e que, portanto, se deseja ser e que os outros sejam, mas que destrói pouco a pouco quem você é e os outros em sua volta sem que nunca se perceba, tão preocupado que se está com o seu eu.
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